1Rs 17,10-16
Sl 145
Hb 9,24-28
Mc 12,38-44
Na sua pobreza, ela ofereceu tudo o que possuía (Mc 12,44)
A Palavra de Deus nos apresenta hoje, tanto na primeira leitura quanto no evangelho, a imagem de duas viúvas pobres que, na sua generosidade e confiança em Deus, dão tudo aquilo o que possuiam.
Na primeira leitura, o profeta Elias vai ao encontro da viúva de Sarepta, na Sidônia. Essa viúva está em completa penúria. A causa de sua penúria é a seca, mas a seca é fruto do pecado de Acab, que se casou com Jezabel, uma pagã que trouxe para Israel toda sorte de práticas estranhas à fé no Deus único. Se de um lado a soberba Jezabel, que persegue o profeta Elias, é uma imagem da desobediência, da mulher que não escuta a Palavra, de outro lado a viúva, que acolhe a palavra do profeta, é uma imagem de quem sabe ouvir e acolher a voz de Deus.
O Evangelho também nos apresenta dois tipos distintos e contrapostos de pessoas. De um lado, temos os hipócritas e soberbos doutores da Lei. Eles não aparecem na cena, mas Jesus fala sobre eles no seu ensinamento à multidão. Eles não ouvem a Deus e não o procuram. Na verdade, estão à procura de si mesmos e Jesus deixa isso bem claro ao afirmar que o que eles gostam é de ser cumprimentados pelas ruas, de receber o título de mestres e ter os melhores lugares nos banquetes. De outro lado, temos a pobre viúva, que chama a atenção de Jesus porque dá tudo o que possui. Ela só está interessada em Deus. Não pensa em si, a ponto de dar tudo o que tinha para viver. Não é como os doutores da Lei, que trombeteam à frente de si mesmos as obras que realizam. Tampouco, ela é como os ricos, que lançam muitas moedas nos cofres do Templo. Ela dá duas pequenas moedinhas, duas leptas. Mas, o que impressiona Jesus é a capacidade que essa mulher tem de dar tudo o que possuía para viver.
O Evangelho também nos apresenta, assim, duas atitudes espirituais distintas. De um lado temos os doutores da Lei. São gente versada nas Escrituras, mas transformaram as coisas mais santas em ídolos. Não procuram conhecer as Escrituras porque estas os levam a Deus, mas querem conhecer a Escritura para poderem ser chamados de Rabi, para levarem vantagens até mesmo financeira sobre as pessoas. São a imagem do abuso espiritual. São pessoas que precisam de purificação. Também nós podemos ter essa atitude diante de Deus. Corremos o risco de buscarmos não a Deus como Ele é, mas o Deus das nossas projeções. Podemos estar procurando as coisas de Deus com muita avidez, mas não para chegarmos a Ele, mas somente para podermos dizer diante das pessoas o quanto já conhecemos de Deus e o quanto já lemos sobre Ele. Assim eram também aqueles que lançavam grandes ofertas no tesouro do Templo. Muitos queriam demonstrar como suas ofertas faziam barulho nos cofres do Templo. Suas grandes moedas rolavam pelos shofarot caindo direto na sala do Tesouro. Muitos poderiam estar fazendo doações sinceras, mas também muitos podiam se aproveitar da situação para chamar a atenção para sua “generosidade”.
A viúva chama a atenção de Jesus. Ela coloca no tesouro do Templo duas leptas. A lepta era uma moeda hebraica de valor ínfimo. Marcos chega a explicar para os seus ouvintes pagãos que se tratava da pequena moeda romana chamada de quadrante. Essa viúva, ainda que quisesse se orgulhar de alguma coisa, não tinha do que se orgulhar. A palavra do evangelho diz que ela “da sua pobreza deu tudo o que tinha para a sua vida”.
A viúva da primeira leitura deu sua pequena porção de farinha e azeite. A viúva do evangelho oferece “da sua pobreza”. A viúva, frágil já pelo simples fato de ser viúva, não tem nada com que manter a própria vida e tudo o que possuía, uma quantia irrisória, inútil, ela lança no tesouro do Templo. Jesus fala que ela deu mais que todos os que lançaram as maiores quantias. O mistério dessa Palavra não está ligado ao dado financeiro. Jesus vê nas duas leptas a própria vida da viúva. A grandeza dessa mulher está no fato dela ter dado tudo o que tinha, em outras palavras, ela ofereceu a si mesma. Quando se dá tudo o que se possui para viver isso significa que eu estou abrindo mão daquilo em que eu colocava a minha confiança e acreditando cegamente, contra toda esperança, que o novo está para irromper, e que a minha vida há de ser sustentada, agora não mais por uma quantia de morte, mas por uma riqueza infinita que há de se manifestar.
Os que lançaram muitas moedas achavam-se quites com Deus. Pensavam que, dando grandes quantias, Deus ficaria satisfeito e os recompensaria. Mas, se aquela quantia não era um sacramento da própria vida oferecida e completamente doada, isso não adiantava nada. Davam grandes quantias, mas voltavam para casa vazios. A viúva sabia não poder enriquecer o tesouro do Templo com suas duas moedinhas, mas oferecendo-se misteriosamente naquelas duas moedinhas ela saiu enriquecida, pois foi Deus quem lançou suas maiores riquezas no cofre do seu coração. E as moedas de Deus são das grandes. O nosso coração deve ter largas shofarot para receber as grandes moedas de Deus que preenchem o nosso tesouro como nenhuma moeda humana é capaz de preencher.
A Eucaristia nos esclarece o Mistério da doação total. Deus em sua kénosis se faz Palavra. A Palavra se encarna. Deus se faz homem para que o homem seja divinizado. Deus nos deu a si mesmo. Na Eucaristia experimentamos esse mistério, nos alimentamos desse Mistério. Quando ouvimos a sua Palavra ele está se dando a nós. Quando nos alimentamos do seu Corpo e do seu Sangue, a sua vida penetra em nós. Iluminados por este mistério ofereçamos com alegria a nossa vida diante do altar do Senhor. Como nos diz o salmista é Ele quem “abre os olhos ao cego”, é Ele quem faz “erguer-se o caído”, é Ele quem “ampara a viúva e o órfão”. Ele nos ergueu do pecado à graça, da morte à Vida. Ele abriu os nossos olhos. Olhemos a clareza que a sua Palavra nos traz e iluminados por esta luz sigamos a caminho da Jerusalém Celeste, onde o nosso pranto será transformado em dança e o “nosso construtor nos desposará” tirando-nos de nossa viuvez!