Sb 11,22 – 12,2
Sl 144
2Ts 1,11 – 2,2
Lc 19,1-10
Esse é o pedido que o sacerdote, em nome de toda a assembleia, faz a Deus na assim chamada “oração coleta” da missa de hoje. Deus tem para nós uma promessa de vida eterna e já para esta vida ele nos promete a felicidade, se aprendermos a obedecer sua Palavra. A vida cristã é um caminho e, por este caminho, precisamos seguir para alcançar as promessas de Deus das quais nos fala a já mencionada oração coleta. Todavia, percorrer este caminho não é algo assim tão simples. Exige uma opção livre que deve ser feita por cada um de nós. Ninguém pode seguir coagido por este caminho. Cada um deve seguir por este caminho de coração livre. Só assim as promessas de Deus são alcançadas. Diante de tantas possibilidades que o mundo nos apresenta, às vezes ficamos sem saber qual é o caminho que conduz a Deus, que conduz à vida. Este caminho só pode ser descoberto por quem se faz atento à Palavra de Deus.
A Palavra de Deus nos vem cada domingo como uma luz, luz que ilumina o nosso caminho e que guia nossos pés, como afirma o Sl 118. Devemos estar atentos a esta Palavra, pois é ela que, como luz que é, iluminará os olhos do nosso coração para que possamos ver qual é o caminho de Deus e seguir por ele.
A primeira leitura, um trecho do livro da Sabedoria, nos apresenta o amor misericordioso de Deus em três momentos. Primeiro, em 11,22, o autor sagrado exalta a grandiosidade de Deus. O mundo inteiro, diante de Deus, é como um simples grão de areia, ínfimo, diante da grandeza e soberania de Deus. Depois, em 11,23-26, com o verbo grego ’éleo, o mesmo que a Igreja coloca nos nossos lábios no ato penitencial da missa quando cantamos “Kyrie Eleison”, ou seja, “Ó, Senhor! Tem Piedade”, o autor sagrado afirma que esta grandiosidade de Deus, longe de ser esmagadora, é fonte misericórdia para com todos os homens, porque Deus “pode tudo”, inclusive perdoar as nossas maiores iniquidades. A própria existência das criaturas é manifestação de um amor contínuo, que tudo criou e agora tudo mantém na existência. Em terceiro lugar, em 12,1-2, o autor afirma que é justamente por causa do seu amor misericordioso que Deus “corrige”, mas “com carinho” (ou, “aos poucos”, “paulatinamente”, como sugere texto grego), os que caem. Isso Ele o faz para que o homem, afastando-se do mal caminho, creia em Deus.
No nosso imaginário criamos, muitas vezes, ou a imagem de um Deus que, sendo onipotente, nos esmaga com essa onipotência, sendo sempre incapaz de compreender nossos pecados, ou a imagem de um Deus bonachão que, sendo misericordioso, sempre passa a mão pela nossa cabeça dizendo que não tem importância aquilo o que fazemos.
O primeiro seria um Deus insensível, mais nosso inimigo que amigo; o segundo também não seria um Deus amigo, porque nos tratando assim nunca nos faria crescer para levarmos uma vida à altura da nossa dignidade.
O livro da Sabedoria nos mostra essa dupla dimensão de Deus: Ele é grande e onipotente, mas também sumamente misericordioso. Contudo, a sua onipotência não impede a sua misericórdia e a sua misericórdia também não atrapalha a sua mão de Pai que deve corrigir a nós que erramos, a fim de abandonarmos o que é mal e “termos fé” n’Ele. Quando o texto diz que Ele “fecha os olhos” aos pecados dos homens isso não significa que Ele ignora as nossas atitudes, mas que, na sua paciência, Ele nos dá um tempo a fim de que possamos nos arrepender do mal feito e a Ele retornar de coração.
Esse Deus ao mesmo tempo onipotente e misericordioso entrou na casa de Zaqueu, como podemos ouvir na Palavra do Evangelho. Quando Jesus passa por Jericó um homem “procura vê-lo”. Zaqueu está sedento por esse encontro. Ele quer “ver Jesus”. Na sua ânsia de ver, ele é que é visto, porque Deus sempre está a nos olhar. Jesus manifesta isso quando manda Zaqueu descer depressa da árvore porque Ele deve pousar na sua casa. O que nos chama a atenção no Evangelho é que Jesus não dá uma palavra de reprimenda a Zaqueu, o qual era nada menos que “o chefe dos cobradores de impostos”, ou seja, o chefe daquele grupo de pecadores.
O gesto de misericórdia, o olhar que descobriu Zaqueu na árvore, enfim a presença encarnada da “Palavra” tornou supérfluas quaisquer outras “palavras”. A presença de Jesus diz tudo. E Zaqueu, como que lendo em Jesus o que acabamos de ouvir do livro da Sabedoria, se “afasta do que é mal” e “crê em Jesus”. Ele se arrepende e toma a palavra para dizer que vai devolver quatro vezes mais a quem defraudou e que dará metade do que ganhou honestamente aos pobres.
O Cristo está no meio de nós cada domingo. Devemos ter um coração como o de Zaqueu, que procura “vê-lo”. E se, como Zaqueu, percebermos que já fomos vistos por Ele, devemos descer da árvore, e fazer isso depressa. Devemos descer depressa porque Ele também deseja entrar na nossa casa a fim de que a sua presença misericordiosa em nosso interior nos leve a uma atitude de verdadeiro arrependimento e conversão como aconteceu com Zaqueu. Assim “abandonaremos o mal” e “teremos fé” novamente; e, por nossa “fé ativa” como afirma a segunda leitura, o Senhor será glorificado em nós e nós n’Ele.