1ª Leitura: Ex 22,20-26
Sl 17(18)
2ª Leitura: 1Ts 1,5c-10
Evangelho: Mt 22,34-40
O Domingo, como afirma o salmista, é o “dia que o Senhor fez para nós” (Sl 117[118],24), dia da nossa ação de graças por excelência que é a Eucaristia. Na sua bondade, o Senhor nos alimenta cada Domingo na dupla mesa que Ele mesmo nos prepara: a mesa da Palavra e a do seu Corpo e Sangue. Na segunda leitura de hoje, São Paulo elogia os tessalonicenses porque eles “acolheram a Palavra com a alegria do Espírito Santo, apesar de tantas tribulações” (1Ts 1,6). Que nós também possamos, apesar das tribulações pelas quais estamos atravessando, acolher em nosso coração, com a alegria do Espírito Santo, a Palavra do Senhor, pois ela é uma “lâmpada para os nossos pés” e “uma luz para o nosso caminho” (Sl 118[119],105).
O início do evangelho deste domingo nos fala de um novo complô dos fariseus contra Jesus. Esses tinham ouvido como Jesus havia feito calar os saduceus, na questão que lhe fora colocada a respeito da ressurreição dos mortos (Mt 22,23-33). Eles se reúnem em grupo e, para pôr Jesus à prova, perguntam-lhe qual é o maior mandamento da Lei. O verbo que o lecionário traduz como “experimentar” é o verbo grego peiradzo, que ocorre seis vezes em Mateus. A primeira aparição deste verbo está em Mt 4,1: o relato da tentação de Jesus. Quem põe Jesus à prova, pela primeira vez, no início do evangelho, é o próprio diabo. Nas outras aparições deste verbo, quem assume o papel do diabo são os fariseus, os saduceus e os partidários de Herodes (Mt 16,1; 19,3; 22,18.35).
A pergunta dos fariseus é diabólica porque traduz seu desejo de encontrar em Jesus algo de que o pudessem acusar. Eles não perguntam com a finalidade de se instruir. A pergunta vem cheia de malícia, porque eles querem saber qual é o maior mandamento da Lei. Essa pergunta soa estranha na boca de um fariseu que se esforçava por cumprir minuciosamente cada preceito da Lei. Textos judaicos dos primeiros séculos da era cristã nos demonstram que os fariseus desenvolveram um sistema legal bem complexo, com 365 preceitos proibitivos e 248 preceitos positivos. A gênese de tal forma escrupulosa de observar a Lei já se encontrava na época de Jesus. Por isso, é estranho ouvir um fariseu querendo saber qual preceito seria o “maior”, o “mais importante”. Tal pergunta denota a malícia de quem só tem um interesse: colocar Jesus à prova a fim de encontrar motivos para acusá-lo.
A resposta de Jesus se baseia na própria Torá, mas a supera, uma vez que Jesus coloca em pé de igualdade dois textos: Dt 6,5 e Lv 19,18. O “maior” e o “primeiro” mandamento é amar a Deus com todo o coração, com toda a alma e com todo o entendimento, ou seja, todo o ser do homem está envolvido nessa relação: seus sentimentos, sua vontade e também sua racionalidade. É interessante notar como o termo “toda/toda” se repete no v. 37, assim como em Dt 6,5: o homem não pode estar parcialmente envolvido na sua relação com Deus, porque essa compromete toda a sua existência.
Logo em seguida, no v. 39, Jesus afirma que o segundo mandamento é semelhante ao primeiro: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Aqui temos a citação de Lv 19,18, mas a primeira leitura nos apresenta de modo desenvolvido o que significa esse amor ao próximo sintetizado na forma de um preceito: trata-se de um envolvimento sério com o outro, sobretudo com os mais frágeis. A primeira leitura fala de modo muito severo contra aqueles que, ao invés de amar, fazem o mal aos mais necessitados. Deus sempre ouvirá o clamor dos que gritam por Ele (Ex 22,22.26) e agirá de modo duro contra aqueles que oprimem os mais frágeis (Ex 22,23).
A confiança nesse Deus que “ouve” e que age em favor dos que clamam a Ele vem expressa no Salmo 17(18), salmo responsorial dessa liturgia dominical. Os vv. 2-3 do salmo, no original hebraico, trazem nove expressões para referir-se a Deus: minha força, minha rocha, minha fortaleza, meu libertador, meu DEUS, meu rochedo, meu escudo, minha força salvadora, meu refúgio. A expressão que está no centro é “meu DEUS” e dela emanam todas as outras. Justamente porque é Deus, Ele não se faz insensível ao grito dos que clamam por Ele. Pelo contrário, ele sempre ou ouve, porque é misericordioso (cf. Ex 22,26). Assim sendo, quem ama a Deus, deve amar quem Ele ama, e Deus ama a todos os homens. Por isso, o amor a Deus e o amor ao próximo implicam-se mutuamente.
O livro do Êxodo fala do estrangeiro, da viúva, do órfão e do pobre como protótipos dos mais frágeis. Em nossos dias, existem os mesmos necessitados e ainda muitas outras classes de pessoas que são desprezadas, alijadas, deixadas de lado pela sociedade. Jesus nos revelou em outra passagem, em Lc 10,29ss, na parábola do bom samaritano, que “próximo” é todo aquele que precisa do nosso auxílio: a esses nós devemos amar como “a nós mesmos”. Somos chamados a ter para com o próximo, o mesmo cuidado que temos ou que deveríamos ter conosco mesmo. Jesus quer nos libertar do egoísmo, de uma visão autocentrada, a fim de nos projetar em direção ao outro que precisa do nosso auxílio pois, afinal, somos todos irmãos.
Ao unir esses dois mandamentos, e ao afirmar que deles “depende” toda a Lei e os Profetas, Jesus nos mostra qual é a base sobre a qual alguém pode colocar em prática a vontade Deus expressas nas Escrituras: o amor. De nada adiantaria praticar atos de devoção com relação a Deus, ou ainda distribuir meus bens aos pobres, se na base de tudo isso não existisse um amor sincero. Um eco dessa palavra de Jesus pode ser sentido em 1Cor 13, no hino à caridade, onde o apóstolo Paulo fala explicitamente que o fundamento, a base de tudo é o amor. João também afirma, na sua primeira carta, que é impossível amar a Deus sem amar, também, o irmão: “Se alguém disser: ‘Amo a Deus’, mas odeia o seu irmão, é um mentiroso: pois quem não ama seu irmão, a quem vê, a Deus, a quem não vê, não poderá amar” (1Jo 4,20).
Que neste domingo esse possa ser principal pedido a Deus: amá-lo de todo o nosso coração e ao próximo como a nós mesmos. Deus, que sempre ouve o clamor do pobre, ouvirá também o clamor que brota da pobreza de nossa condição pecadora. Ele sabe o quanto somos fechados em nosso egoísmo, o quanto nossa visão de Deus é limitada e deturpada, o quanto nos preocupamos somente com nossas necessidades imediatas sem olhar o necessitado que está ao nosso lado. Se clamarmos a Ele, Ele virá em nosso auxílio, nos libertando de nós mesmos, de nossa visão limitada, de nosso egoísmo que nos adoece, a fim de que nos lancemos em direção a Ele e, a partir d’Ele, em direção a todo aquele que precisa de nosso auxílio. Assim, estaremos vivendo em plenitude a Lei, a Palavra do Senhor.