1ª Leitura: Is 11,1-10
Sl 71
2ª Leitura: Rm 15,4-9
Evangelho: Mt 3,1-12
A oração coleta dá o tom de nossa liturgia dominical: Ó Deus todo-poderoso e cheio de misericórdia, nós vos pedimos que nenhuma atividade terrena nos impeça de correr ao encontro do vosso Filho, mas, instruídos pela vossa sabedoria, participemos da plenitude de sua vida.
O poder e a misericórdia de Deus são exaltados nessa liturgia. O nosso desejo é “correr” livremente ao encontro do Cristo e, por isso, pedimos que as atividades terrenas não nos sejam um empecilho.
O texto de Isaías, na primeira leitura de hoje, nos fala da promessa da vinda de um Messias dravídico: nascerá uma haste do tronco de Jessé. Ele será cheio do “Espírito do Senhor” (vv. 1-3a): espírito de sabedoria e discernimento; conselho e fortaleza; ciência e temor de Deus (a tradução grega da Bíblia[1] e a Vulgata traduziram esta última expressão como “eusebéia”, ou seja, “piedade” e, por isso, unida ao versículo seguinte ‘3a’, fez com que os dons fossem sete e não seis).
Os vv. 3b-4 apresentam as atitudes desse Messias. Nesta segunda parte sobressaem os termos “julgar” e “fazer justiça”. Nesta parte de destaca, ainda, a frase “fustigará a terra com a força da sua palavra”. O texto hebraico diz: “golpeará a terra com o bastão da sua boca”. Com a força da sua palavra o Messias vai golpear a terra e vai destruir os ímpios com o simples sopro dos seus lábios.
Os vv. 6-10, por sua vez, descrevem o Reino instaurado pelo Messias como um Reino de Paz, com imagens paradisíacas.
O Salmo 71 (72), salmo responsorial desta liturgia, retoma parte do vocabulário e da temática da primeira leitura. Trata-se de um salmo que suplica a Deus que dê ao rei a sua “justiça” e o seu “julgamento”, a fim de que o rei governe com a mesma justiça de Deus os pobres e os mais abandonados da terra. Esse “Rei” deve ter um trono duradouro. Por isso, o v. 17 afirma: “Que o seu nome dure para sempre”. Todas as gerações serão abençoadas nesse novo Rei e o proclamarão bendito.
Na segunda leitura, São Paulo, além de exortar a comunidade a viver em “harmonia e concórdia”, menciona duas vezes a palavra “constância” (do grego hypomoné); esse termo grego significa literalmente “permanecer sob” alguma coisa. Por isso, ele pode ter o sentido também de “suportar”. Somos chamados a ser “constantes”, a “suportar” as dificuldades do caminho em vista da meta para onde nos dirigimos, o reino dos céus, cujas portas foram abertas para nós por nosso Salvador.
O Evangelho nos apresente a pregação de João Batista no deserto da Judéia. Poderíamos esquematizar assim este trecho do evangelho:
- 1: Introdução
- 2: Resumo da pregação de João Batista
(dois verbos importantes: “convertei-vos” e “se aproximou”)
- 3-6: Testemunho a respeito de João Batista
- 7-12: Pregação de João Batista
Depois de nos localizar geograficamente no deserto da Judéia (v. 1), o texto nos coloca em contato com uma síntese do que vai ser apresentado mais abaixo, na pregação de João Batista. Esta segunda parte (v. 2) é marcado pelos verbos “converter-se” e “se aproximou”. Vale destacar que a conversão não é apresentada apenas como uma mudança de hábitos, mas como uma “mudança de mentalidade”, pois esse é o sentido do verbo metanoeo, utilizado por Mateus. Por outro lado, o verbo “se aproximou” tem sentido ativo. Parece uma tradução melhor “o Reino de Deus se aproximou”. De fato, em Jesus Cristo, o Reino dos Céus tornou-se vizinho a nós.
Os vv. 3-6 dão testemunho de quem seja João Batista ligando-o ao texto de Is 40,3: Uma voz clama: no deserto abri um caminho para o Senhor. Ele é apresentado como um asceta que prega a conversão em vista da chegada do Messias.
Os vv. 7-12 apresentam a dureza da pregação de João Batista. Ele denuncia a falsa segurança religiosa (v. 9: Não penseis que basta dizer: Abraão é nosso Pai) e mostra que Deus pode suscitar crentes, filhos de Abraão, até das pedras (de fato, a descendência de Abraão veio de um ventre duplamente estéril: pela fisiologia e pela idade avançada de Sara). Ele anuncia a chegada do Messias, “mais forte que ele”, que vai batizar com o Espírito Santo e com fogo e que vai realizar um juízo definitivo. Assim, o Batista se coloca como anunciador, ainda que sem saber, da dupla vinda de Cristo. Ele, o Cristo, veio e abriu-nos as portas da salvação, dando-nos a graça de sermos batizados com o Espírito Santo e com fogo e ele virá no fim dos tempos, recolher o trigo na eira e queimar a palha no fogo “que não se apaga”.
Poderíamos concluir nossa reflexão olhando para o texto de Mt 3,3: João é apresentado como “a voz que clama no deserto”. Santo Agostinho, ao comentar este trecho da Escritura, num texto que lemos no Ofício das Leituras na Solenidade do Nascimento de João Batista, afirma que João é “a voz” e Cristo é “a Palavra”. João, diz o Bispo de Hipona, é a voz no tempo; Cristo, é a Palavra Eterna. De fato, o evangelista São João diz que no princípio era a Palavra, e a Palavra “se fez carne e habitou entre nós”. Cristo é Palavra eterna do Pai e João é a voz, a voz que clama no deserto, no lugar onde não há palavra[2]. Justamente aí, onde não há vida, porque não há palavra, é que se levanta a voz portadora e transmissora de uma Palavra Eterna, Viva e Vivificante, o próprio Cristo, Palavra feita carne para nossa salvação. João é a voz que clama. O que clama João? “Convertei-vos, porque o Reino dos Céus se aproximou”; e ainda “preparai o caminho do Senhor, endireitai suas veredas”. Se queremos correr ao encontro do Cristo como pedimos na oração coleta dessa Eucaristia devemos seguir a voz portadora da Palavra Eterna e buscar sinceramente a nossa conversão.
Possa o tempo do Advento ser esse tempo forte de conversão para nós. Enquanto nos deixamos invadir pela luz de Cristo que nasceu para nossa salvação, convertendo-nos assim de nossas faltas e delitos, vamos nos preparando cada ano mais intensamente, para o nosso encontro definitivo com o Senhor, seja na sua Parusia, seja no momento de nossa Páscoa pessoal.
[1] Chamada de “Tradução dos Setenta” ou, simplesmente, LXX.
[2] A Palavra deserto em hebraico midbar significa “lugar sem palavra”, porque é composta por dois termos: dabar, que quer dizer palavra e o prefixo privativo mi.