1ª Leitura: 1Sm 3,3b-10.19
Sl 39
2ª Leitura: 1Cor 6,13c-15a.17-20
Evangelho: Jo 1,35-42
Depois de termos celebrado o Tempo do Natal, a Igreja nos introduz na primeira parte do chamado “Tempo Comum” ou “Tempo durante o ano”. Neste período do ano litúrgico, não dirigimos nosso olhar para um aspecto particular do Mistério Pascal de Cristo, mas somos chamados a celebrar cada Domingo como nossa Páscoa Semanal, contemplando na Palavra proclamada os mistérios da vida de Nosso Salvador.
Podemos afirmar que a liturgia deste Domingo nos apresenta o mistério do chamado divino e da resposta que o homem deve dar a este chamado.
A primeira leitura nos apresenta o chamado do pequeno Samuel. O menino dormia no templo do Senhor (v. 3b), mas ainda não conhecia o Senhor, porque a sua Palavra não se lhe tinha ainda manifestado (v. 7).
O autor sagrado arquiteta de modo magistral o texto. Nos vv. 4-8 aparece nove vezes o verbo “chamar”. A cada relato do chamado do Senhor feito a Samuel, o autor sagrado apresenta uma tríplice aparição do verbo:
“Então o Senhor chamou: ‘Samuel! Samuel!’ Ele respondeu: ‘Estou aqui’. E correu para junto de Eli e disse: ‘Tu me chamaste, aqui estou.’ Eli respondeu: ‘Eu não te chamei. Volta a dormir!’” (vv. 4-5)
A mesma tríplice aparição do verbo “chamar” acontece em 3,6 e em 3,8, onde o autor sagrado nos narra o segundo e o terceiro chamado divino, os quais não são compreendidos pelo menino. A razão pela qual Samuel não discerne a voz do Senhor e pensa que é Eli quem o chama está em 3,7, como já dissemos acima: “Samuel não conhecia ainda ao Senhor, e a palavra do Senhor não lhe tinha sido ainda revelada.”
O velho Eli compreende que se trata de um chamamento divino e ensina ao menino como responder a esse chamado: “Então Eli compreendeu que era o Senhor que chamava o menino e disse a Samuel: “Vai deitar-te e, se te chamar de novo, dirás: ‘Fala, Senhor, que o teu servo ouve’”, e Samuel foi se deitar no seu lugar” (cf. 3,8b-9). Assim, na quarta vez que o Senhor chamar, Samuel vai responder conforme lhe havia ensinado o velho sacerdote: “Fala, que teu servo escuta” (cf. 3,10). Naquele tempo onde o Senhor “raramente falava” e as “visões não eram frequentes” (cf. 3,1), Deus dirigiu sua Palavra ao jovem Samuel e este, como vai dizer o final da perícope, “não deixava cair por terra nenhuma de suas palavras” (cf. 3,19).
Deus fala e Samuel aprende a ouvi-lo e a obedecê-lo. A expressão “não deixar cair por terra nenhuma de suas palavras”, outra coisa não signifca senão que Samuel se esforçava sinceramente por colocar em prática a Palavra do Senhor que lhe era dirigida.
O texto sagrado nos coloca, assim, diante da importância do “escutar a Deus”. O Salmo 39, Salmo de resposta dessa liturgia da Palavra, afirma no v. 7: “Sacrifício e oblação não quisestes, mas abristes, Senhor, meus ouvidos”. No v. 9, ainda lemos: “Com prazer faço a vossa vontade, guardo em meu coração vossa Lei”. Assim, o Salmo celebra duas coisas: Deus capacita o homem a ouvi-lo e o homem aprende a colocar em prática a Palavra do Senhor. De fato, se Deus fala, mas o homem fecha seu ouvido, a Palavra não produz o fruto que Deus deseja. Por outro lado, se Deus não nos disser uma Palavra, como saberemos nos conduzir ou como saberemos que caminho tomar? Sozinhos, sem a Palavra divina, andamos a esmo, sem direção… Quando, por outro lado, abrimos nossos ouvidos à Palavra divina, sabemos então como nos conduzir.
O evangelho nos coloca diante do mesmo misterioso chamado divino e da necessidade de se abrir para “ouvir/escutar” a Deus. A perícope evangélica proclamada na liturgia do segundo domingo do Tempo Comum é o trecho de Jo 1,35-42: o chamado de André e Simão. O verbo “ouvir” aparece aqui duas vezes: nos vv. 37 e 40.
No v. 37 o verbo descreve o que aconteceu com dois dos discípulos de João Batista. Eles o ouviram dizer a respeito de Cristo: “Eis o Cordeiro de Deus!” Acolhendo a Palavra ouvida, passam a seguir o Cristo. No v. 40, o verbo “ouvir” é aplicado a André, de modo particular: ele era um dos dois que “ouviram” as palavras de João Batista e seguiram Jesus. Além de seguir o Cristo, André vai encontrar seu irmão, Simão, e depois vai conduzi-lo também ao Senhor.
Assim, tanto a primeira leitura quanto o evangelho nos colocam diante do misterioso chamado divino. Ele vem ao encontro do homem e lhe dirige sua Palavra, o chama, o vocaciona. Cabe ao homem responder ao chamado divino, acolher a Palavra e colocá-la em prática.
A vida cristã se sustenta e cresce na dinâmica da escuta e da obediência à Palavra divina. Isso nos leva a refletir a respeito do espaço que damos para a Palavra de Deus em nossa vida e também a respeito do modo como ouvimos a mesma Palavra divina. Algumas vezes ouvimos pouco e de modo descompromissado aquilo o que Deus nos diz por meio da sua Palavra. Outras vezes, vamos à Escritura querendo achar “respostas”, “soluções mágicas” para o nosso dia a dia. Nenhuma dessas duas posturas é a postura do verdadeiro discípulo.
O discípulo verdadeiro é aquele que está sempre aberto a ouvir. Não a ouvir o que ele quer, mas aquilo o que Deus quer lhe falar. Como Samuel, o discípulo deve dizer todos os dias: Fala Senhor, que teu servo escuta! Se eu sou servo, estou disposto a ouvir o que meu Senhor deseja me dizer, ainda que isso me contrarie ou não seja exatamente o que eu gostaria de ouvir.
O discípulo verdadeiro tem sede da Palavra. Sabe que Deus “abriu seu ouvido” como diz o salmista, e quer “realizar com prazer a vontade do Senhor”.
Peçamos a Deus na liturgia desse Domingo, que sejamos mais abertos à Palavra Divina. Que reservemos tempo em nossa agitada semana para a escuta pessoal da Palavra de Deus. Que na liturgia nossos ouvidos estejam aguçados para escutar e acolher aquilo o que Deus nos fala. Com certeza veremos que Deus nos conduzirá por caminhos verdadeiros e trará ao nosso coração a alegria e o consolo que tanto almejamos.