1ª Leitura: Gn 12,1-4a
Sl 32
2ª Leitura: 2Tm 1,8b-10
Evangelho: Mt 17,1-9
Mateus inicia sua narrativa da transfiguração localizando-a temporalmente: ela ocorreu “Seis dias depois…”. Estas palavras iniciais não são proclamadas no trecho que ouvimos a partir do lecionário, mas elas nos ajudam a contextualizar o mistério que celebramos. A transfiguração acontece “seis dias depois” de o Cristo ter anunciado aos seus discípulos o mistério da sua paixão, como podemos ler em Mt 16,21. Os discípulos se escandalizam com o que Jesus lhes diz a respeito do sofrimento que o espera. De modo particular, Pedro toma Jesus à parte e o repreende (cf. Mt 16,22). Os discípulos ficam horrorizados diante de um fim tão atroz que espera o seu mestre. Cristo quer afastar do coração dos discípulos o escândalo e o horror da cruz, revelando-lhes antecipadamente a glória que até então estava oculta aos seus olhos.
Como os discípulos, nós também nos escandalizamos da cruz de Jesus. Basta que ela se apresente a nós na sua realidade. Quando a cruz é apenas um objeto de adorno e veneração nas nossas igrejas, nós gostamos muito dela. Nós nos aproximamos, tocamos, achamos bonito, rezamos diante do crucifixo e até o beijamos na sexta-feira santa. Mas, quando a cruz de Cristo se torna real, quando sentimos os pregos rasgarem a nossa carne, aí nós nos escandalizamos e perguntamos: Por que eu? Por que esse sofrimento para mim que te sou tão fiel? Ora, justamente porque somos fiéis é que devemos experimentar a cruz. Ela não está posta em nossas igrejas como um enfeite, mas serve para nos recordar que a sorte do Mestre deve ser a sorte dos discípulos: a cruz. Mas, uma cruz que nos conduzirá à glória. Esse é o grande ensinamento de hoje.
Com a transfiguração, Jesus que também mostrar aos discípulos a sua verdadeira glória. Nós ouvimos no domingo passado o evangelho das tentações de Cristo no deserto. Uma das tentações do Senhor foi a vanglória. O diabo queria convencer o Cristo a buscar uma glória deste mundo, por isso convidou Jesus a se lançar do pináculo do Templo, para que, diante de todos, os anjos de Deus, como nos diz o salmo 90, aparecessem e levassem Jesus nas suas mãos para que Ele não se ferisse (cf. Mt 4,6). Se Jesus fizesse isso Ele com certeza receberia uma glória humana muito grande, todos ficariam admirados, mas o fato é que a glória dos homens não é nada. Jesus não estava atrás dessa glória, porque Ele possui afinal, a verdadeira glória. Jesus se transfigura para revelar a Pedro, Tiago e João a sua verdadeira glória.
Diante da transfiguração do Senhor percebemos que não precisamos mais buscar uma glória vazia, a vanglória que vem da parte dos homens. Ao olhar para a glória de Jesus transfigurado nós sabemos que Deus tem reservada uma glória para nós. Nós buscamos incessantemente a glória desse mundo, o aplauso dos homens e isso nos faz muito mal. Às vezes nos tornamos tão escravos da vanglória que não conseguimos fazer nada que os outros não aprovem. É um sentimento que nos dilacera e que nos deixa completamente vazios. Cristo, que assumiu a forma de servo, que assumiu nossa frágil humanidade, que se oculta e, ao mesmo tempo, se revela através dos sinais dos sacramentos, revelou hoje a sua glória para nós, anunciando-nos, do alto do Tabor, que não precisamos buscar a nossa própria glória, porque Deus tem reservada para nós a sua glória.
Os discípulos estão tão extasiados com a visão da glória de Cristo que dizem pela boca de Pedro, porque este devia ser o sentimento de todos: “Senhor, é bom estarmos aqui”. É bom para nós, que procuramos uma glória vazia, contemplarmos uma glória que realmente nos preenche, porque fomos feitos para essa glória.
Por fim, uma nuvem luminosa cobre a montanha, lembrando-nos a nuvem gloriosa que enchia a Tenda da Reunião quando Deus falava com Moisés. Da nuvem se ouve a voz do Pai que diz: “Este é o meu Filho amado, ouvi-o!” Cristo é o amado. N’Ele nós também somos filhos amados. Ele é o servo obediente, “até a morte”, e nós somos chamados a ser também servos obedientes, que sabem escutar a voz do seu Senhor, do seu Mestre. Ouvir o Cristo é o caminho para a glória. Nós o ouvimos na Palavra da Escritura Sagrada; nós o ouvimos na Tradição da Igreja; nós o ouvimos quando os nossos pastores nos conduzem e nos dirigem uma Palavra que nos orienta e guia até o mesmo Cristo; nós o ouvimos quando aceitamos entrar na intimidade do nosso quarto, do quarto do nosso coração, onde, no dizer de Santo Inácio de Antioquia “existe uma água viva e murmurante que me diz: Vem para o Pai!”
Aproveitemos a Quaresma como um tempo privilegiado de escuta do Cristo. Peçamos a graça de um coração sempre mais aberto diante das riquezas da Escritura que nos serão proclamadas na liturgia. Nos empenhemos, também, em buscar a oração pessoal com a Palavra de Deus. Assim, estaremos vivendo nossa Quaresma em obediência ao Pai, que nos manda ouvir seu Filho Amado.