Ex 17,8-13
Sl 120
2Tm 3,14 – 4,2
Lc 18,1-8
“Do Senhor é que me vem o meu socorro” (cf. Sl 120, 2)
A primeira leitura nos apresenta a luta do povo de Deus contra Amalec. Uma luta que é vencida não pelo poder das armas, mas pelo poder da oração. Comentando este trecho da Escritura, Orígenes diz: “…o povo de Deus não lutava tanto com a mão e as armas, mas sim com a voz e a língua, ou seja, derrotava seus inimigos dirigindo sua oração a Deus.” [1]
Os amalecitas, derrotados pelo poder da oração, tornaram-se símbolo do poder das trevas e do verdadeiro inimigo. Nossa luta não é mais, pois, contra os inimigos terrenos, mas contra aquele que é inimigo do nosso espírito, inimigo da nossa salvação e que deseja todo o mal contra nós. A nossa luta é contra aquele que, por inveja, nos seduziu e introduziu, assim, no mundo, o sofrimento e a morte. Este inimigo, o diabo, só pode ser derrotado pelo poder da oração.
O mesmo Orígenes afirma que essa palavra da primeira leitura se cumpre em nós: “Verdadeiramente se cumpre em nós aquilo do qual foi figura: quando ele erguia as mãos, Amalec era derrotado; mas, se as deixava cair cansadas e abaixava seus débeis braços, então Amalec levava a melhor parte. Assim também nós tenhamos os braços no poder da cruz e elevemos na oração mãos santas em todo lugar, sem ira nem discussões, para que mereçamos o auxílio do Senhor. Também a isto nos exorta o apóstolo São Tiago quando diz: Resisti ao diabo e ele fugirá de vós.”[2]
O Evangelho, profundamente unido à primeira leitura que ouvimos, é uma parábola de Cristo a respeito da necessidade de se “orar sempre” e “nunca desistir”. Cristo conta a história de um juiz que “não temia a Deus” e “não respeitava homem algum” e de uma viúva que “clama por justiça”.
É muito rica a cena que se vai esboçando. De um lado um homem que não cumpre a Lei, pois o próprio Cristo resumiu para nós a Lei no “amor a Deus e ao próximo”; de outro lado, uma viúva, uma mulher que depende justamente daquilo o que o juiz não tem para oferecer – a honestidade – para que possa ter o necessário para viver. Não sabemos qual era o litígio da viúva, mas da cena esboçada podemos apreender que se tratava de uma necessidade vital, uma vez que ela persevera insistindo que o juiz “lhe faça justiça contra o seu adversário”. Diante da insistência da viúva o juiz toma uma postura, não porque quisesse, de fato, resolver a questão, mas para que a viúva não o importunasse mais e não viesse, talvez, agredir-lhe (cf. Lc 18,5).
É o próprio Cristo que, nos últimos versículos da parábola, faz a aplicação da Escritura à nossa vida: “Escutai o que diz este juiz iníquo. E Deus não faria justiça a seus eleitos que clamam a ele dia e noite, mesmo que os faça esperar? Digo-vos que lhes fará justiça muito em breve.” Se o juiz impiedoso, iníquo, que não teme a Deus e não respeita homem algum, faz justiça à viúva que o importuna, será que Deus, que possui entranhas de misericórdia, que não cessa de revelar o seu amor ao homem, que aliás criou o homem justamente para ser o receptor do seu amor, não faria justiça aos que clamam a Ele dia e noite, mesmo que os faça esperar?
O Pai já nos fez justiça em Cristo, porque Ele, estendendo os braços na cruz, qual novo Moisés, derrotou definitivamente Amalec, o inimigo de nossas almas, que lutava contra nós. O Pai nos fez justiça, a nós que, dia e noite, clamamos por Ele. A oração constante nos faz compreender essa grande dádiva do Pai para nós.
Precisamos orar, porque a oração, o alimento da nossa fé, produz em nós a esperança e nos faz caminhar ainda mais confiantes de que aquilo o que vemos, a aparente injustiça e a aparente demora de Deus, não são a realidade última, porque a realidade última é Cristo e a salvação que Ele nos conquistou pelo seu sangue derramado na cruz, fazendo-nos justiça, não pelas nossas obras, mas em virtude da sua infinita graça.
E como entender essa aparente demora de Deus? A comunidade de Lucas também devia se questionar a respeito disso. É por isso que no v. 7 encontramos o verbo grego makrothymeo: “ser paciente/esperar”. Aqui o verbo aparece traduzido como “fazer esperar”. Parece que Deus “se demora”, “faz o homem esperar”, porque Ele tem um tempo certo para agir. Ele é cheio de “longanimidade”, de paciência, e espera o momento oportuno, a fim de que os homens possam abrir seu coração.
Todavia, uma pergunta permanece suspensa no final do evangelho: Mas o Filho do Homem, quando vier, será que ainda vai encontrar fé sobre a terra?” Essa é uma pergunta muito interessante porque ela esclarece todo o sentido da parábola. Jesus aqui nos revela que a justiça de Deus é, em última análise, a “vinda do Filho do Homem”, expressão usada para indicar a Parusia. Jesus nos dá a certeza de que Ele voltará em glória e consumará a obra da salvação. Ainda que pareça demorar, Ele virá, devemos “sofrer as demoras de Deus”, porque elas possuem uma razão de ser, que nós, em nossa limitada visão, não alcançamos. Deus cumprirá com fidelidade sua promessa. Resta agora, a nós, a pergunta derradeira: Quando Ele vier, encontrará fé sobre a terra? Será que o Filho do Homem encontrará na sua Igreja a fé? Será que Ele encontrará a sua Igreja orando e bendizendo a Deus na posse antecipada daquilo o que ela ainda espera (cf. Hb 11,1)? Será que Ele encontrará a sua Igreja na certeza a respeito daquilo o que não se vê, ou será que Ele encontrará a sua Igreja ainda presa somente ao que é visível e palpável, colocando as suas esperanças somente numa vida boa nesse mundo e correndo atrás somente de uma religião que possa oferecer uma outra linguagem que não a da cruz? São perguntas que devemos nos fazer.
Peçamos ao Pai que abra os nossos corações para recebermos o Espírito que Ele derrama sobre nós cada vez que nos reunimos para a liturgia. Peçamos ao Espírito a graça de uma oração verdadeira e eficaz, a fim de que o Filho do Homem, quando voltar, encontre em nós que o esperamos uma fé verdadeira e que Ele reconheça em nossos lábios a voz da Esposa descrita por João no Apocalipse que, junto com o Espírito clama: “Vem!” (Ap 22,17).
[1] Cf. Orígenes. Homilia XI Sobre o Êxodo
[2] Idem