Nm 11,25-29
Sl 18
Tg 5,1-6
Mc 9,38-43.45.47-48
Quem não é contra nós é a nosso favor
A liturgia é sempre uma celebração do poder de Deus; do poder criador de Deus, que preparou para nós este dia, o Domingo, no círculo semanal: o dia em que fazemos de modo ainda mais intenso, na liturgia, nossa experiência do poder salvador do Senhor.
Deus todo-poderoso, Criador e Libertador, manifesta o seu poder, sobretudo, no “perdão” e na “misericórdia”. É o que afirma a oração coleta de hoje. Deus, nosso Pai, é aquele que manifesta seu poder “sobretudo no perdão e na misericórdia”. Deus utiliza o seu poder de maneira diferente dos homens. Enquanto os homens exercem seu poder para dominar e vencer, Deus nosso Pai, exerce em nosso favor o seu poder nos perdoando e nos acolhendo sempre que nos voltamos para Ele com todo o nosso coração.
A primeira leitura nos apresenta o tema da profecia. O Senhor desce na nuvem e fala com Moisés. Este mesmo Senhor reparte o Espírito que estava em Moisés com os outros anciãos. Todavia, o texto nos fala que dois homens que estavam na lista ficaram no acampamento. Estes também começaram a profetizar e Josué quer que Moisés os mande se calar. Uma frase, dita por Moisés, nos trás um elemento que, além de ajudar a entender a perícope, nos aponta para que há de nos ser dado na Nova Aliança: “Quem dera que todo o povo do Senhor fosse profeta…” é o que diz Moisés a Josué, que quer que o mesmo impeça os dois homens que ficaram no acampamento de profetizar.
Uma cena semelhante encontramos no Evangelho. A primeira da perícope evangélica deste domingo – Mc 9, 38-40 – nos apresenta João indo a Jesus para lhe comunicar que havia visto um homem expulsar demônios em nome de Jesus. João afirma que havia proibido o homem de realizar tal feito, ao que Jesus responde: “Não o proibais, pois ninguém faz milagres em meu nome para depois falar mal de mim. Quem não é contra nós é a nosso favor.”
João, assim como Josué, estão preocupados com aqueles que profetizam ou realizam portentos fora do grupo dos escolhidos. Moisés e Jesus, no entanto, expressam a sua liberdade com relação a isso. Moisés expressa seu desejo de que todo o povo de Deus fosse profeta, o que, de fato, em Jesus Cristo se realizou. Jesus, por sua vez, explica a João que não se pode monopolizar o Espírito de Deus. Ele se manifesta onde e como quer.
Aqui poderíamos talvez nos interrogar sobre a relação entre carisma e hierarquia. Esta sempre foi uma questão um pouco delicada. Um verdadeiro carisma é sempre discernido dentro da Igreja e pela comunidade. O carisma não se coloca acima, mas unido à hierarquia. A hierarquia, por sua vez, é ela mesma um carisma. O carisma próprio da hierarquia é atuar discernindo e incentivando os diversos carismas que ornam o Corpo de Cristo que é a Igreja. Na perícope evangélica, embora não seja esta a questão de fundo, vemos que os exorcistas que estão fora do grupo dos doze não deixam de estar em uma certa comunhão, porque eles expulsam os demônios “em nome de Jesus”.
O v. 41 trata de uma outra temática: quem recebe o discípulo de Cristo porque é discípulo, a esse será dada uma recompensa. A teologia de fundo desse versículo é aquela da identificação entre o discípulo e Cristo. Quem recebe e sacia as necessidades do discípulo de Cristo, recebe e sacia as “necessidades” do próprio Cristo.
O v. 42 trata do tema do “escândalo”. Os vv. 43.45.47-48 tratam de uma outra temática: é melhor perder algo importante para si do que cair no pecado. Claro que esses versículos não podem ser entendidos literalmente. Não se trata de mutilar o próprio corpo para evitar o pecado. Trata-se, sim, de viver uma autêntica ascese, sabendo cuidar de si mesmo e retirando da vida coisas que podem até ser boas, mas que talvez nos estejam levando a romper a comunhão com Deus.
A segunda leitura amplia de certa forma o horizonte temático do evangelho. Não se trata somente de evitar o pecado vivendo a dimensão vertical da fé. É preciso também evitar o pecado vivendo corretamente a dimensão horizontal da fé. O tema desta perícope da carta de Tiago é a justiça social. O apóstolo condena aqueles que vivem na abundância, mas retêm o salário dos seus empregados. Trata-se de um tema bastante atual, sobretudo se pensarmos que muitas vezes esse nível de injustiça acontece entre cristãos nas suas relações de empregado/empregador.
Que o Senhor nos conceda a graça de abrirmos o nosso coração cada vez mais à sua Palavra e de vivermos segundo a justiça, a fim de que sejamos, para um mundo tão dividido, verdadeiro sinal do seu amor e da sua bondade.