1ª Leitura: Is 55,6-9
Sl 144
2ª Leitura: Fl 1,20c-24.27a
Evangelho: Mt 20,1-16a
O coração de toda a liturgia da Palavra é o Evangelho, intimamente conectado com a primeira leitura. Neste Domingo, a Igreja nos apresenta este trecho de Mt 20, que traz a parábola dos trabalhadores da vinha. Nela, o Reino dos Céus é comparado com história de um patrão que sai de madrugada para contratar operários para a sua vinha.
Ela pode ser dividida em três momentos. Na primeira parte, nos vv. 1-7, o dono da vinha sai para contratar seus empregados. Com os primeiros contratados, o patrão combina um denário, “uma moeda de prata”, a diária comum de um trabalhador. Depois, a cada três horas – às nove, ao meio dia e às três da tarde – o patrão sai de novo contratando novos empregados. À esses, o patrão combina pagar “o que for justo”. Nossa atenção dirige-se, naturalmente, para os versículos 6 e 7, que narram a contratação dos últimos empregados, na última hora do dia. Com esses, o patrão dialoga de modo mais detido, querendo saber por que estavam desocupados todo o dia. “Ninguém nos contratou!” é a resposta que o patrão recebe deles. Pois bem, também a esses o patrão envia para a sua vinha.
Na segunda parte do texto, os vv. 8-15, o patrão começa a fazer o pagamento de seus empregados, no fim do dia, conforme previa Dt 24,14-15: “Não oprimirás um assalariado pobre, necessitado, seja ele um dos teus irmãos ou um estrangeiro que mora em tua terra, em tua cidade. Pagar-lhe-ás o salário a cada dia, antes que o sol se ponha, porque ele é pobre e disso depende a sua vida. Deste modo, ele não clamará ao Senhor contra ti, e em ti não haverá pecado.” O acerto de contas começa pelos últimos. Quando os que foram contratados na primeira hora viram que os trabalhadores da última hora ganharam um denário, pensaram que iam receber mais. Diante do fato de terem todos recebido a mesma quantia, eles protestam contra o patrão, não podendo aceitar seu ato de bondade e considerando-se injustiçados. O patrão, dono da vinha, símbolo do Reino (cf. Is 5,1), afirma não haver injustiça nele, mas sim inveja nos trabalhadores da primeira hora, que não se conformam com seu gesto de generosidade para com os que chegaram por último. O texto é concluído com uma máxima de Jesus, semelhante a que se encontra em Mt 19,30: “os últimos serão os primeiros, e os primeiros serão os últimos”.
A parábola coloca diante de nossos olhos uma forte imagem da bondade de Deus. É possível que, na concepção original da parábola, os trabalhadores da primeira hora fossem os judeus, a quem Deus manifestou sua Palavra em primeiro lugar. De fato, muitos fariseus e mestres da Lei não se conformavam que Jesus abrisse aos pecadores as portas do Reino, chamando-os à conversão. Na perspectiva judaica, um prosélito, ou seja, um não judeu que se convertia, não gozava do mesmo status que um nascido judeu. Na perspectiva de Jesus tal divisão não existe mais. N’Ele, as portas do Reino foram abertas a todos os que quiserem aderir à mensagem da salvação. Deus Pai nos revela, em Cristo, que ele deseja dar a mesma recompensa a todos: o seu Reino de amor. Essa não pode ser maior ou menor; essa não é conquistada em virtude dos méritos de cada um. O Reino é dom e o Pai, gratuitamente, deseja acolher n’Ele a todos os seus filhos.
A parábola encaixa-se perfeitamente na primeira leitura, onde o profeta Isaías apresenta uma imagem de Deus que é “generoso no perdão” a fim de motivar os ímpios a abandonarem seus caminhos, a fim de entrarem no caminho do Reino. A incompreensão dos trabalhadores da primeira hora, por sua vez, se conecta muito bem com o que o profeta afirma em 55,9: “Estão meus caminhos tão acima dos vossos caminhos e meus pensamentos tão acima dos vossos pensamentos, quando o céu está acima da terra”. De fato, como é difícil para o homem entender a lógica de Deus, que é generoso no perdão e deseja acolher a todos.
Essa parábola deve despertar em nós a ação de graças. Graças à essa abertura de Jesus é que conhecemos o Evangelho: esse não ficou restrito ao povo da primeira aliança, mas foi proclamado às nações. Graças sejam dadas a Deus por isso! Na nossa vida eclesial, peçamos a graça de ter um olhar benévolo sobre as pessoas, como era o olhar de Jesus. Alguns de nós, que já caminhamos há muito tempo na Igreja, achamos que temos prerrogativas e privilégios sobre os que vão chegando no decorrer da jornada. Tal coisa não deve existir entre nós. A recompensa é uma só: o Reino! E esse é dom de Deus e não mérito nosso. Que nos sintamos felizes com os que vão chegando depois, e mais felizes ainda por saber que não completaremos a corrida sozinhos, mas que chegaremos juntos ao Reino que o Senhor nos preparou! Lembremo-nos sempre do que diz o salmista hoje: O Senhor é muito bom para com todos, sua ternura abraça toda criatura (Sl 144,9).
Poderíamos concluir com uma breve reflexão acerca da segunda leitura. Depois de proclamar seu desejo de estar com Cristo e, ao mesmo tempo, sua disponibilidade para estar à serviço dos irmãos, Paulo faz uma recomendação aos Filipenses: Só uma coisa importa: vivei à altura do Evangelho! A expressão “viver à altura” significa, literalmente, “vivei dignamente como um cidadão” – é o verbo grego “politeomai”. A Palavra do apóstolo nos recorda que somos cidadãos de uma outra pátria, aquela celeste. Em virtude disso, seguimos uma única lei: o Evangelho de Cristo. A parábola do evangelho de hoje só é compreendida por quem consegue entrar na lógica dessa “nova pátria” para a qual nos dirigimos e da qual já fazemos parte, pois o Reino já está presente, ainda que em germe, na Igreja. Que o Senhor, enviando-nos do céu seu divino Paráclito, nos ajude a viver vida digna d’Ele, acolhendo cada dia em nosso coração a boa semente da sua Palavra.