Am 8,4-7
Sl 112 (113)
1Tm 2,1-8
Lc 16,1-13
Nossa reflexão de hoje pode começar pelo Evangelho. Lc 15, que ouvimos no domingo passado, forma um conjunto de parábolas de Jesus dirigido a um público formado por “fariseus” de um lado e por “publicanos e pecadores” de outro. O cap. 16, por sua vez, é direcionado “aos discípulos”. Este capítulo vem emoldurado por duas parábolas: a do administrador infiel (vv. 1-8) e a do rico e do pobre Lázaro (vv. 19-31). Entre as duas parábolas, encontramos uma série de ditos de Jesus que versam sobre temas variados. O trecho que a liturgia de hoje nos apresenta é composto pelos vv. 1-13. Nestes versículos percebemos a seguinte estrutura:
- 1-8: A parábola do administrador infiel
- 9-13: uma série de ditos de Jesus a respeito do bom emprego do dinheiro
Olhemos primeiro a parábola. Ela nos apresenta um “administrador”, um “ecônomo”. Nos vv. 1-2 encontramos a denúncia de que este ecônomo estava “dilapidando” os bens de seu patrão e a consequente prestação de contas que o seu patrão que lhe pede.
Nos vv. 3-4 temos uma cena onde o administrador aparece sozinho, pensando consigo e refletindo sobre o que vai fazer em tal condição. Ele já sabe que o seu patrão vai demiti-lo. Ele precisa, então, saber o que fará da vida. Começa a refletir e percebe que “não tem forças” para um trabalho braçal e que “tem vergonha” de pedir esmolas. Ele então precisa achar uma saída. Esta será apresentada nos vv. 6-7.
Ao olhar os vv. 6-7 vemos a “ideia” que o administrador teve para se salvar de sua terrível situação sendo atuada: ele chama os devedores de seu patrão e começa a reduzir suas contas, com o objetivo de ganhar a benevolência destes mesmos devedores. Segundo estudiosos, era comum no Antigo Oriente que os administradores impusessem taxas sobre o que emprestavam, sobretudo em se tratando de víveres. Estes tinham mais valor que o próprio dinheiro, por isto eram muito taxados. Seguindo esta linha interpretativa podemos imaginar que o que o administrador faz é abrir mão de seus ganhos exorbitantes (100 % em se tratando dos barris de óleo!) com o intuito de ganhar algo melhor a frente, um futuro trabalho, talvez, junto desses a quem ele agora favorecia.
É por isso que o patrão vai elogiar o funcionário, porque ele agiu com sabedoria, ou com esperteza como nos apresenta a tradução do lecionário. O elogio que ele recebe do patrão não é um elogio absoluto. O patrão não poderia estar de acordo com uma administração iníqua, uma vez que foi justamente essa administração iníqua a causa da repreensão dada ao administrador no início da parábola. O elogio do patrão se dá em virtude de o administrador ter sabido abrir mão da avareza, do amor do dinheiro, por um bem maior, que lhe poderia valer no futuro, embora ainda apenas em nível temporal: a amizade daqueles que antes deviam ao seu patrão.
Ainda se entendemos que esse Kyrios do v. 8 seja o próprio Jesus e não o próprio patrão (que é chamado nos vv. 3 e 5 de kyrios), é nesse mesmo sentido que devemos entender o elogio dado ao administrador infiel.
A segunda parte do v. 8 é uma declaração do próprio Jesus, que encerra a parábola, mostrando a primeira antítese deste texto: os “filhos deste mundo” e os “filhos da luz”. Os primeiros são “mais espertos” em seus negócios que os últimos. Os filhos deste mundo, como o administrador da parábola, sabem abrir mão do dinheiro iníquo quando isto é necessário em vista de se alcançar algo maior. Os filhos da luz, muitas vezes, não usam de esperteza em vista do que é eterno: o Reino dos Céus.
Os vv. 9-13 constituem a segunda parte do texto deste domingo. No v. 9 o dinheiro aparece personificado. Ele é chamado de “Mammon tés adikias”, ou seja, “mammon da iniquidade”. O termo “mammon” deriva de uma raiz aramaica e pode designar o conjunto dos bens que uma pessoa possui. Aqui o termo ganha uma acepção negativa, sobretudo porque vem classificado como “Mammon da Iniquidade”, que se traduziu em nosso lecionário por “dinheiro injusto”. Não se trata de ver, no dinheiro, algo ruim em si mesmo. Contudo, o desejo de possuir o dinheiro pelo dinheiro é uma doença, a “avareza”. Essa sim contamina o homem.
Os vv. 10-13 abrem para nós uma série de antíteses: fiel e injusto; dinheiro injusto e verdadeiro bem etc. O homem fiel sabe usar os bens deste mundo em vista de alcançar o “verdadeiro bem”, aquele que é propriamente “nosso”, ou seja, a “vida eterna” junto com o Senhor. O homem injusto é o que se perde, colocando no lugar de Deus uma divindade chamada riqueza, que não servirá para nada, porque quando ele morrer essa riqueza o abandonará, e passará às mãos de um outro.
Aqui compreendemos a conexão do evangelho com a primeira leitura. Ouvimos um trecho do profeta Amós onde Deus acusa de modo contundente aqueles que exploram o pobre e são dominados pela idolatria da riqueza. Am 8,7 afirma: Nunca mais esquecerei o que eles fizeram. A injustiça praticada contra o pobre será lembrada pelo Senhor. De fato, na época do profeta Amós, o Reino do Norte, Israel, gozava de grande prosperidade. Am 6,4 fala dos que se deitam em “camas de marfim”, o que significa uma grande riqueza. Contudo, no texto que nos é proposto nessa liturgia, o pobre, dentro de um reino de tanta prosperidade, é “dominado” por um par de sandálias (Am 8,6). Já essa descrição é suficiente para entendermos a grande injustiça, diante da qual Deus não pode se calar, afinal, como canta o Salmo 112,7, ele é aquele que levanta da poeira o indigente e retira, do lixo, o pobrezinho.
Aproveitando que a segunda leitura nos fala hoje da oração pelos governantes, peçamos a Deus que aqueles que têm o supremo e sagrado dever de reger os bens das cidades, dos estados e dos países, não pensem somente em sua própria vantagem, mas pensem naquilo o que é, de fato, proveitoso para o verdadeiro crescimento e bem-estar da humanidade. Isso será bom para todos, e também para os que governam, porque é grande o mal que fazem quando agem injustamente, comprometendo, assim, a sua salvação. Seguindo o desejo de Jesus que quer que todos os homens se salvem, e seguindo nosso bom senso, de quem quer uma vida justa para todos, peçamos a Deus que ilumine a mente e o coração dos que governam.