Ez 33,7-9
Sl 94 (95)
Rm 13,8-10
Mt 18,15-20
“…se ouvirdes a Sua voz, não endureçais os vossos corações…” (Sl 94)
Cada domingo, nos congregamos para celebrar os divinos mistérios e ouvimos a Palavra do Senhor que nos interpela. Hoje o Salmo nos convida a não fecharmos, mais precisamente, a não endurecermos o nosso coração diante da Palavra divina. Devemos ouvir “hoje” a voz de Deus, pois “hoje” é o dia da salvação para nós. Santa Teresinha do Menino Jesus dizia: “Para amar-vos, Jesus, só tenho hoje”.[1] Poderíamos parafrasear esta grande carmelita dizendo: “Para ouvir-vos, ó Deus, só tenho hoje”. Isso nos fará não perder mais tempo, deixando para ouvir amanhã a voz de Deus que devemos acolher no hoje da nossa existência.
A primeira leitura, do livro do profeta Ezequiel, é uma exortação de Deus ao profeta. O profeta, logo assim que recebe de Deus uma Palavra a respeito do pecador, deve comunicá-la ao mesmo pecador a fim de que se converta. Caso o pecador, mesmo tendo ouvido a voz do profeta, não se converta, o pecador morrerá por causa do seu pecado, mas o profeta será inocentado, porque não deixou de comunicar ao pecador a Palavra recebida. Todavia, se o profeta silenciar a sua voz e não exortar o pecador, o pecador morrerá por própria culpa, mas o profeta será cobrado pela morte do pecador, porque Ele silenciou a Palavra não exercendo o seu carisma profético.
O Evangelho que acabamos de ouvir nos narra uma Palavra semelhante. Aliás, a primeira leitura e o Evangelho estão sempre relacionados na missa de Domingo, fazendo um conjunto harmonioso que vai da profecia à plena realização em Cristo. Estamos diante da cena do discurso de Jesus sobre a Igreja e aqui temos um primeiro dito de Jesus que vai do versículo 15 ao 17. Este primeiro dito de Jesus diz respeito à “correção fraterna”. Jesus afirma que, na comunidade, se o irmão pecar, ele deve ser corrigido por outro. Em primeiro lugar, em particular. Depois, caso não se emende, diante de duas ou três testemunhas. Por fim, se nem assim se emendar, à questão deve ser levada à Igreja. Se depois de todas as tentativas o irmão ainda quiser permanecer no pecado, ele deve então ser tratado como um pagão ou um pecador público.
Esta Palavra se torna muitas vezes difícil de ser compreendida no contexto eclesial que nós vivemos. Muitas vezes chegamos à assembleia eucarística e não conhecemos aqueles que dividem conosco o espaço sagrado. Perdemos o sentido de Igreja. Não percebemos que somos membros uns dos outros (cf. Rm 12,5) e que, juntos, formamos o único Corpo de Cristo (cf. 1Cor 12,27). Por isso, ficamos muitas vezes isolados no nosso egoísmo, preocupamo-nos apenas com nossos próprios problemas e nossos próprios pecados e não nos ocupamos das dores e dos pecados dos nossos irmãos.
Outras vezes, dominados pela soberba, espírito terrível, que nos diz que somos melhores que os demais e que provém de nós mesmos – e não de Deus – o bem que fazemos, ao invés de uma salutar correção que brota sempre do mandamento do amor nos deixamos dominar pelo espírito da crítica destrutiva, que condena, que denigre a imagem do outro, que rebaixa o irmão para se superexaltar.
Devemos fugir tanto do espírito da crítica, filho da soberba, quando do espírito do indiferentismo diante dos irmãos, filho muitas vezes do egoísmo, que nos faz ficar centrados em nós mesmos e não considerarmo-nos parte de um todo. O Senhor nos exorta, hoje, a vivermos concretamente o amor e a sermos, na vida dos irmãos, uma voz profética, a fim de ajudar os que precisam retornar ao bom caminho.
Devemos resistir à tentação de assumir a postura de quem quer ficar bem com todos. Isso nos leva, muitas vezes, a não ajudar o irmão que vacila, a não exortar o que erra por um caminho mortal. Tememos que o irmão se aborreça conosco. Não podemos ser assim! Devemos, sim, cheios de caridade, cheios de amor pelo próximo, exortá-lo, a fim de que ele progrida na fé em Cristo. Se ele nos der ouvido, nós o teremos ganho para Cristo!
Vemos no Evangelho que separar o pecador da comunidade é o último recurso, aplicado somente quando de fato o pecador não quer converter-se nem dar ouvidos à voz de ninguém. Aí não é tanto a comunidade que o segrega como se estivesse querendo ser uma comunidade de puros, mas é o mesmo pecador que se auto-segrega fechando seus ouvidos à Palavra e seu coração à correção dos irmãos. A Igreja apenas ratifica essa segregação, porque Cristo estende, de certo modo, aos demais ministros da Igreja a prerrogativa de Pedro, afirmando “tudo o que ligardes na terra será ligado no céu, e tudo o que desligardes na terra será desligado no céu”.
Falamos até agora da perspectiva de quem corrige, mas devemos também lançar um outro olhar e ver essa Palavra de Deus sob a perspectiva de quem é corrigido, porque na Igreja, ora somos os que devem corrigir, ora somos os que devem ser corrigidos.
Precisamos pedir que o Senhor nos revista do alto com o dom da humildade, para recebermos num coração tranquilo e pacificado a correção dos irmãos.
Não devemos nos cansar de ser corrigidos. A correção dos irmãos, que nos veem melhor do que nós nos vemos a nós mesmos, nos ajuda a progredir em Cristo. A correção fraterna vai fazendo com que a imagem de Cristo impressa em nós possa ir resplandecendo melhor a cada dia. Por isso, devemos ser humildes e estar abertos à correção, a fim de que não sejamos separados dos irmãos. Muitas vezes nós mesmos nos separamos da comunidade, porque não queremos acolher a correção. Ficamos aborrecidos porque alguém quis nos corrigir e aí nos afastamos. Não sejamos assim! Poderíamos aplicar aqui o texto de 1Ts 5,21: Discerni tudo e ficai com o que é bom! São Paulo fala, aqui, do não desprezar as profecias. Mas, poderíamos aplicar esse texto à correção fraterna recebida. Não a desprezamos de início. Mas, primeiro, a examinemos. O próprio Senhor, através do seu Espírito, nos mostrará o que é bom e o que deve ser guardado para a nossa edificação.
“Hoje, se ouvirdes a sua voz, não endureçais os vossos corações.” Hoje, não endureçamos os nossos corações diante da Palavra do Senhor, mas deixemos que ela, a Palavra, pela sua potência, dilate os nossos corações, a fim de que possamos amar profundamente os irmãos. Que não fiquemos devendo nada “a não ser o amor fraterno” como nos diz a segunda leitura, a fim de que cheios desse amor possamos exortar e corrigir fraternalmente os que se acham no erro para que se “convertam e vivam” (cf. Ez 18,23). Que Deus nos dê um coração que o ame profundamente e sempre mais progrida na virtude, a fim de quando corrigidos, possamos acolher de modo tranquilo a palavra dos irmãos. Assim, a imagem de Cristo resplandecerá cada vez melhor em nós.
[1] Santa Teresinha do Menino de Jesus. Poesia. Meu canto de hoje: Minha vida é um instante, um rápido segundo, um dia só que passa e amanhã estará ausente; Só tenho, para amar-Te, ó meu Deus, neste mundo, O momento presente!…