A oração coleta deste domingo é uma súplica a Deus para que o “seu amor”, que é o próprio Espírito Santo, seja “derramado em nossos corações”, a fim de que seja alimentado em nós “o que é bom”.
Neste dia do Senhor, a primeira leitura e o evangelho nos apresentam um caminho para abraçar “o que é bom”: cultivar a mãe de todas as virtudes, a “humildade”.
Na primeira leitura temos um trecho do livro do Eclesiástico que nos apresenta o contraste entre o orgulhoso e o humildade. O texto começa com um convite: “Filho, realiza teus trabalhos com mansidão e serás amado mais que um homem generoso.” Logo em seguida, o v. 20 nos diz o que o homem humilde deve esperar do Senhor:
…deverás praticar a humildade | …assim encontrarás graça |
…aos humildes | …ele revela seus mistérios |
Este mesmo versículo demonstra que, quanto mais o homem se torna grande, mais deve praticar a humildade. Só assim ele encontrará “graça” diante do Senhor. Ou seja, quanto mais alguém “sobe” em alguma função, sobretudo se esta é uma função eclesiástica, mais deve “descer” ao seu próprio interior, reconhecendo a sua pequenez.
Pode nos ajudar a compreender o sentido da humildade um texto que se encontra na internet, um comentário ao opúsculo “Sobre o Modo de Aprender” de Hugo de São Vitor, que define bem o que seja a virtude da humildade:
“Há muitas opiniões distorcidas na comum opinião dos homens sobre o que seja a humildade, as quais dificultam uma apreciação de sua verdadeira natureza. Para alguns a humildade seria uma forma mórbida de auto desprezo, para outros uma ingenuidade incapaz de reconhecer a maldade alheia, para outros ainda a submissão irracional a qualquer forma de violência, física ou psicológica, externamente imposta. Ao contrário destas e de muitas outras colocações, deve-se dizer que a humildade significa a consciência que o homem possui de ser apenas um ser humano ou uma criatura humana e de, consequentemente, não ser um deus ou um ser dotado de atributos divinos; significa também a consciência das implicações contidas nestas afirmações e a capacidade de agir coerentemente com elas.”[1]
“A humildade significa a consciência que o homem possui de ser apenas um ser humano ou uma criatura humana”, ou seja, a humildade é a virtude que nos ajuda a nos mantermos sempre diante da nossa realidade: somos homens, e não deuses. Isso não somente nos ajuda a não nos desesperarmos diante das nossas quedas, mas a também não nos ufanarmos diante dos outros, achando que somos maiores, mais importantes ou melhores que alguém.
O texto da primeira leitura ainda afirma que Deus “é glorificado pelos humildes”, pois somente esses sabem reconhecer que a fonte de tudo o que são e que têm é o próprio Deus. E ainda “para o mal do orgulhoso não existe remédio, pois uma planta de pecado está enraizada nele, e ele não compreende” (Eclo 3,30).
Estamos assim, diante de um convite feito pela Palavra de Deus, para vivermos intensamente a virtude da humildade. Este convite se realiza perfeitamente no Evangelho, quando nos fala o próprio autor das virtudes, o Senhor Jesus Cristo.
O texto se passa na casa de um fariseu. Em geral os fariseus com os quais Jesus se confrontou eram bem orgulhosos. Eles achavam que eram eles mesmos a fonte do bem que realizavam e se fiavam tanto na prática da Lei, que acreditavam que Deus tinha a obrigação de salvá-los.
Jesus aproveita a ocasião para dar um ensinamento sobre a humildade a partir de uma parábola. A parábola está nos vv. 8-11. Observando que as pessoas procuram os primeiros lugares, Jesus na parábola adverte que devemos procurar sempre os últimos lugares, a fim de que não chegue ninguém mais importante e venhamos a ser envergonhados, sendo conduzidos a um lugar de menor honra. Sentando-nos no último lugar, por sua vez, corremos um “risco inverso”, o de ser exaltados diante de todos, sendo convidados a nos colocar num lugar de maior destaque.
A parábola de Jesus termina com a máxima do v.11: “Porque quem se eleva, será humilhado e quem se humilha, será elevado.” Aqui seria interessante olhar o vocabulário utilizado pelo evangelista.
O verbo elevar-se, no grego “ypsou”, aparece apenas em mais três lugares em Lucas:
- a) Em Lc 1,52: “Depôs poderosos de seus tronos, e a humildes exaltou”. Aqui o contexto é o Magnificat, o belo cântico da Virgem Maria, onde ela bendiz o Criador porque Ele “exaltou” os humildes;
- b) Em Lc 10,15: “E tu, Cafarnaum, te levarás até ao céu? Antes, até ao inferno descerás”. Aqui o contexto é bem outro. Trata-se não de uma elevação que será atuada pelo próprio Deus, mas de uma presunção que, ao contrário, não se cumprirá.
- c) Em Lc 18,14b: “Pois todo o que se se exalta será humilhado, e quem se humilha será exaltado.” Aqui temos uma repetição de Lc 14,11.
Como vimos acima, o Senhor quer “exaltar” somente ao que “se humilha” e, como vimos acima, “humilhar-se” significa reconhecer a própria condição humana. O termo que o NT utiliza, em geral, para designar o “humilde” é o substantivo “tapeinós”, que significa algo “baixo, pouco elevado”. O humilde o que “não se eleva” como diz o Evangelho, que está em contato com a terra, com a sua realidade. O soberbo, ao contrário, é o que se infla como um grande balão, que acredita estar acima dos outros homens, mas tudo isso não passa de uma ilusão e do desconhecimento mais profundo que pode haver da própria realidade.
A recompensa do orgulhoso está nele mesmo. Ele, em si, é a sua própria recompensa, pois se sente satisfeito plenamente consigo mesmo. O humilde, ao contrário, sabe que só Deus é a sua recompensa. É por isso que, na segunda parte do evangelho, o Senhor Jesus exorta aos convidados que, ao darem um banquete não convidem aqueles que também podem convidá-los, mas convidem os pobres. Ou seja, não devem buscar a honra e o reconhecimento que vem homens, o que poderia deixá-los ainda mais cheios de si. Eles devem convidar os pobres. Porque uma vez que estes não lhes poderiam retribuir o convite, ficaria patente que só de Deus poderia lhes vir a recompensa: “Tu receberás a recompensa na ressurreição dos justos”.
Vós vos aproximastes da Jerusalém celeste, afirma a segunda leitura. De fato, o culto cristão é, já, um entrar na Jerusalém celeste. Vivemos nessa tensão do já e ainda não, onde o culto é uma verdadeira antecipação daquilo o que está reservado para nós nos céus.
Diante da beleza e da grandeza do que é o culto cristão poderíamos nos sentir massacrados e indignos e, de fato, o somos. Somos indignos de toda a maravilha que o Senhor prepara para nós no culto. Somos indignos de nos aproximar das mesas quer da Palavra, quer da Eucaristia. Contudo, como afirma o Salmo “Com carinho preparastes uma mesa para o pobre”. Nós somos esses “pobres” e para nós “com carinho”, e não de qualquer modo, o Senhor preparou uma “mesa”, uma “dupla mesa”. Agradeçamos ao Senhor de coração pela sua bondade e que esta dupla mesa da Palavra e da Eucaristia nos ajude a viver a verdadeira humildade. Na Palavra, ressoa o convite a sermos humildes e, na mesa da Eucaristia, contemplamos o grande mistério da humildade divina, porque Ele desceu para estar no meio de nós!
Eclo 3,19-21.30-31
Sl 67 (68)
Hb 12,18-19.22-24a
Lc 14,1.7-14