1ª Leitura: Js 24,1-2a.15-17.18b
Sl 33
2ª Leitura: Ef 5,21-32
Evangelho: Jo 6,60-69
Tu tens palavras de vida eterna (Jo 6,68)
A oração coleta desta Missa é um excelente caminho para iniciarmos nossa reflexão. Ela assevera: “Ó Deus, que unis os corações dos vossos fiéis num só desejo, dai ao vosso povo amar o que ordenais e esperar o que prometeis, para que, na instabilidade deste mundo, fixemos os nossos corações onde se encontram as verdadeiras alegrias.”
Esta oração se divide em uma afirmação e uma súplica. A afirmação é que Deus une os corações dos fiéis “num só desejo”. De fato, cada um chega à celebração eucarística movido por muitos desejos, fruto das necessidades quotidianas: econômicas, relacionais, de saúde física etc… Contudo, a celebração em si deve levar os fiéis a passar dos “diversos desejos” para o “único desejo”: o desejo de Deus. Esse desejo foi infundido no coração humano, desde a sua criação, pelo próprio Senhor.
A súplica é dúplice: “amar” os mandamentos e “esperar” a promessa de Deus, fixando o coração onde se encontra a verdadeira alegria. Obedecer, mas por amor, os mandamentos de Deus e, assim, “esperar” a realização plena da sua promessa, que outra coisa não é senão a posse da vida eterna.
A primeira leitura nos apresenta a assembleia de Siquém. Com a morte de Moisés, Josué torna-se o grande líder do povo. Neste trecho proclamado na liturgia de hoje, Josué coloca diante o povo a necessidade de se tomar uma decisão: seguir ou não a Deus; adorá-lo ou adorar aos antigos e falsos deuses.
Antes mesmo de ouvir uma resposta do povo, Josué manifesta a sua opção, opção esta que ele faz por si e pelo seu clã: “Eu e minha casa serviremos ao Senhor” (Js 24,15). O povo, por sua vez, opta por servir ao Senhor, e o motivo é a recordação da Páscoa: “…ele mesmo, é quem nos tirou, a nós e a nossos pais, da terra do Egito, da casa da escravidão” (Js 24,16-17).
Semelhante decisão por servir ou não ao Deus único e verdadeiro deve ser tomada pelos apóstolos no trecho do evangelho de hoje. Ouvimos hoje mais um trecho, o último deste ciclo litúrgico, do “discurso do Pão da Vida” presente em Jo 6. Depois que Jesus afirmou ser necessário comer a sua carne e beber o seu sangue, muitos o abandonaram, pois acharam a palavra por Ele dita uma palavra “dura”. Muitos dos discípulos que até então o haviam seguido, deixaram de segui-lo (Jo 6,66).
Neste momento, Jesus vai se dirigir aos doze e, longe de voltar atrás no que disse para simplesmente cativar a simpatia desses, Jesus lhes pergunta: “Vós também vos quereis ir embora?” (Jo 6, 67). Jesus não está disposto a voltar atrás no que disse. O seu objetivo não é fazer discípulos a qualquer preço, mas é fazer discípulos que queiram seguir a verdade dos seus ensinamentos. Pedro é quem vai responder à pergunta de Jesus, dando vós ao coro dos apóstolos: “A quem iremos Senhor? Tu tens palavras de vida eterna” (Jo 6,68). O mesmo apóstolo termina fazendo uma confissão de fé: “Nós cremos firmemente e reconhecemos que tu és o Santo de Deus” (Jo 6,69).
Na primeira leitura, o povo se decide por seguir ao Senhor porque reconhece que Ele é o verdadeiro Deus, em virtude das maravilhas operadas quando da libertação do Egito. Aqui, os apóstolos se decidem a seguir Jesus, porque reconhecem nele o Santo de Deus, que tem “palavras de vida eterna”. Nesta cena do Evangelho poderíamos imaginar o que se passa no coração de Pedro. É claro que, também para os doze, aquela palavra era dura, difícil de ser entendida. Todavia, contra toda lógica meramente humana, falava mais alto o que eles sentiam, ou seja, as palavras do Mestre eram palavras que prometiam aquilo o que os seus corações mais desejavam: “Tu tens palavras de vida eterna” (Jo 6,68). As palavras de Jesus eram palavras cheias de promessa de eternidade e isso eles não haviam encontrado em outro lugar, por isso se aventuram no seguimento de Cristo.
Também a cada um que hoje participa da assembleia eucarística é feita, pelo próprio Senhor, a pergunta: “A quem quereis servir?” ou ainda “Não quereis também vós ir embora?” Nosso Deus é um Deus ciumento, que não admite dividir a adoração que é devida só a Ele com outros falsos deuses (1ª leitura); para segui-lo é preciso empenhar a própria vida (evangelho); por isso, é necessário dar uma resposta, mas uma resposta consciente e madura, como o foram as respostas de Josué e de Pedro.
A segunda leitura, como há de se notar, não está tematicamente relacionada com a primeira leitura nem com o evangelho. Isso não é de se estranhar, uma vez que esta leitura, durante o Tempo Comum, é comumente uma lectio cursiva, ou seja, uma leitura contínua de uma determinada epístola ou outro escrito no Novo Testamento. Paulo entende o matrimônio cristão como mistério, ou seja, como uma imagem da união de Cristo e da Igreja (Ef 5,32). Se assim é o matrimônio cristão, logo tudo o que se aplica à união de Cristo e da sua esposa, a Igreja, se aplica também ao convívio dos cônjuges.
Os dois devem ser mutuamente solícitos (Ef 5,21). As mulheres devem ser “submissas aos maridos”, mas não como quem é submisso a um chefe humano, mas como quem é submisso “ao Senhor”, que nada faz que não seja para a alegria da sua esposa, a Igreja. O marido é a “cabeça” da mulher, não porque seja a “parte pensante” como alguns pregadores afirmam. O marido é a “cabeça da mulher como Cristo, ele, o Salvador do seu corpo” (Ef 5,23). O esposo deve “servir” em tudo a sua esposa, dando-lhe a própria vida se necessário for, como fez Cristo pela Igreja.
Peçamos hoje a graça de reconhecer, como Pedro, que somente o Cristo “tem palavras de vida eterna”. A sede de felicidade e realização que sentimos só pode ser saciada por Aquele de cujo lado aberto jorrou sangue e água. Só Ele, o Cristo, “tem palavras de vida eterna” e, em cada Eucaristia, alimentando-nos dessa esperança, conseguimos forçar para caminhar, mesmo em tempos tão difíceis como estes que estamos atravessando, na certeza de que não estamos sozinhos, mas conosco está Aquele que nos alimenta, que nutre nossa fé com seu Corpo e Sangue e que um dia nos introduzirá na glória de seu Reino.