Is 22,19-23
Sl 137
Rm 11,33-36
Mt 16,13-20
“Tu és o Cristo, o filho do Deus Vivo”
O Domingo é, para nós cristãos, o “Dia dos Dias”. Nesse dia, nos reunimos na Igreja movidos por “um só desejo”, como diz a oração coleta de hoje: louvar a Deus pelas suas maravilhas. É a isto que nos exorta a segunda leitura. Temos ouvido, já há alguns domingos, trechos da carta de São Paulo aos Romanos. Hoje ouvimos na liturgia o final do capítulo 11 que, em forma de hino, canta a profundidade da sabedoria de Deus e, proclamando que tudo converge para Ele, nos convida ao louvor, quando afirma: A Ele a glória pelos séculos, Amém! (cf. Rm 11,36). A Eucaristia é a máxima expressão desse louvor que queremos e precisamos oferecer a Deus. Ela é a ação de graças perfeita, porque nela se renova o Mistério Pascal do Cristo, fonte de nossa salvação.
Nossa reflexão pode começar, hoje, pelo Evangelho, que constitui sempre o coração da liturgia da Palavra. O texto de Mt 16,13-20 coloca diante de nossos olhos a confissão de fé de Simão, que passar a ser chamado de Pedro. Poderíamos, a princípio, dividí-lo em duas partes: os vv. 13-16 e 17-19.
Nos vv. 13-16 temos uma pergunta de Jesus que se repete nos vv. 13 e 15. No v. 13 Jesus quer saber dos discípulos quem “os homens” dizem ser “o Filho do Homem”. Os discípulos respondem que, no dizer dos de fora, dos “homens” em geral, a concepção a respeito de quem seja o “Filho do Homem” é muito difusa: João Batista ressurgido dos mortos (cf. Mt 14,3-12), Elias, Jeremias, ou algum dos profetas. Jesus repete a pergunta, mas agora dirigindo-a especificamente aos discípulos e apresentando-se como o “Filho do Homem”: E vós, quem dizeis que EU sou? Já aqui recebe destaque a figura de Simão Pedro, tanto pelo seu falar em nome dos discípulos, pois é ele quem especificamente responde à pergunta que Jesus havia dirigido aos doze, quanto pela sua responde, não difusa como a “dos homens”, mas firme: Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”.
Nos vv. 17-19 temos duas partes: a bem-aventurança de Pedro, n. v. 17, e a sua investidura nos vv. 18-19. Jesus chama Simão, cujo nome passará a ser Pedro, de “bem-aventurado”. O termo grego é o termo makarios. Esse termo aparece 13x em Mateus. Dessas 13 aparições do termo, nove estão em Mt 5: são as “bem-aventuranças”. Depois o termo ocorre, ainda, em 11,6; 13,16; 16,17 e 24,46. A bem-aventurança de Pedro consiste no fato de a sua resposta não ser fruto de um conhecimento puramente racional – pois não foi “a carne” ou “o sangue” que revelou isso a Pedro – mas, sim, o “Pai que está nos céus”.[1] Assim, a confissão de fé do Apóstolo não é uma palavra meramente humana, mas fruto de uma revelação[2] que provém do Pai, cujo sentido pleno o próprio Apóstolo ainda não alcança, mas alcançará quando testemunhar os acontecimentos gloriosos de Cristo e for revestido da “força do alto” em Pentecostes.
Os vv. 18-19, como já dito acima, apresentam a investidura de Pedro à frente do rebanho de Cristo. No v. 18 Jesus lhe modifica o nome, acompanhando tal gesto com o simbolismo da pedra. Simão chamar-se-á agora Pedro, e sobre esta “pedra” o Cristo construirá sua Igreja, que jamais perecerá, pois as portas do inferno não poderão vencê-la.[3] O texto de Mt 16,19 corresponde perfeitamente a Is 22,22, na sua forma hebraica (cf. primeira leitura). O próprio Senhor envia o profeta Isaías para dizer a Sobna que ele será destituído da sua função. Em seu lugar será colocado Eliacim, filho de Helcias. Para simbolizar a autoridade que este receberá sobre a “casa de Davi”, o Senhor lhe diz pela boca do profeta: “Colocarei a chave da casa de Davi sobre os ombros dele; ele abrirá, e ninguém fechará; ele fechará, e ninguém abrirá.” (cf. Is 22,22).[4] Do mesmo modo encontramos a investidura que Jesus faz de Pedro no Evangelho, dizendo: “Eu te darei as chaves do Reino dos Céus; tudo aquilo o que ligares na terra, será ligado nos céus; e tudo o que desligares na terra, será desligado nos céus” (cf. Mt 16,19).[5] Com a imagem da entrega das chaves e com a autoridade de ligar e desligar, abrir e fechar, Jesus anuncia de modo simbólico a autoridade daquele que deve estar à frente dos doze, confirmando-lhes a fé (cf. Lc 22,32).
Junto com o tema da autoridade de Pedro que Cristo coloca à frente dos doze, autoridade essa continuada na vida da Igreja na figura do Papa, sucessor de Pedro, o evangelho de hoje nos interpela, ainda, com a mesma pergunta que Cristo fez aos discípulos: “E vós, quem dizeis que eu sou?” Quem é Jesus para nós? Esta é uma pergunta que devemos nos fazer todos os dias e à qual é necessário responder com muita sinceridade. Jesus não é um mero milagreiro nem um solucionador de problemas. Jesus é o Cristo, o Salvador, o filho de Deus Vivo, Deus com o Pai, Senhor da nossa vida. Precisamos, como Pedro, ter um encontro pessoal com Cristo, para que possamos também responder a essa pergunta que Cristo nos faz de maneira pessoal, tendo experimentado o seu amor e a sua presença poderosa na nossa vida.
Como nos diz São Paulo na segunda leitura: “tudo é dele, por ele e para ele. A ele a glória para sempre.” Tudo é d’Ele… Nós somos d’Ele… Entreguemos nas mãos do Pai, tudo o que somos. Façamos da nossa vida um grande hino de louvor a Deus. Na doxologia final da oração eucarística, o sacerdote oferece ao Pai o Corpo e o Sangue do Cristo, proclamando que por Cristo, com Cristo e em Cristo, na força do Espírito Santo, toda a glória deve ser dada ao Pai. Ofereçamos também nós, ao participarmos da Eucaristia Dominical, naquela patena e naquele cálice, a nossa vida ao Pai. Coloquemos ali nossa existência, nossas falências, nossas glórias e fracassos, para que tudo, por Cristo, e na força do Espírito, seja apresentado ao Pai como oferta de louvor. E Ele, o Pai que tudo transfigura e que a seu Filho ressuscitou dos mortos, também transfigurará a nossa dor e nos ressuscitará, já agora, ainda que de modo figurativo, no Espírito, dando-nos sua força que nos anima e fortalece, e depois de modo pleno, dando-nos a vida imortal que está reservada para nós em seu Reino.
[1] O lecionário de certo modo “explica” o sentido da expressão “a carne e o sangue” traduzindo-a como “ser humano”.
[2] O verbo grego utilizado por Mateus é apokalypto.
[3] Cf. Jo 1,42: João nos conserva os termos aramaicos de tal “mudança de nome” indicativa de uma missão: Simão passará a se chamar Cefas (termo aramaico que significa pedra, rocha).
[4] וְנָתַתִּ֛י מַפְתֵּ֥חַ בֵּית־דָּוִ֖ד עַל־שִׁכְמ֑וֹ וּפָתַח֙ וְאֵ֣ין סֹגֵ֔ר וְסָגַ֖ר וְאֵ֥ין פֹּתֵֽחַ׃
[5] δώσω σοι τὰς κλεῖδας τῆς βασιλείας τῶν οὐρανῶν, καὶ ὃ ἐὰν δήσῃς ἐπὶ τῆς γῆς ἔσται δεδεμένον ἐν τοῖς οὐρανοῖς, καὶ ὃ ἐὰν λύσῃς ἐπὶ τῆς γῆς ἔσται λελυμένον ἐν τοῖς οὐρανοῖς.