Is 2,1-5
Sl 121
Rm 13,11-14a
Mt 24,37-44
Na hora em que menos pensais, o Filho do Homem virá! (Mt 24,44)
Com o tempo do Advento tem início um novo ano litúrgico, que é como que uma nova passagem de Deus pela nossa história, santificando-nos através da liturgia onde celebramos os “mistérios” da vida do Cristo que confluem todos para o “grande mistério” da sua Páscoa.
Nas suas primeiras semanas, o Advento é marcado pela expectativa da segunda vinda do Cristo. Isto é o que chamamos de “tensão escatológica”: a esperança firme de que o Senhor que veio uma primeira vez, revestido da fragilidade de nossa humanidade, virá uma segunda vez, glorioso, no fim dos tempos, conforme sua promessa.
O evangelho deste primeiro domingo nos mostra como devemos estar preparados para a vinda do Senhor, que será repentina. Ouvimos hoje um trecho de Mt 24, que é parte do discurso escatológico de Jesus já quase no fim desse evangelho. Logo depois de contar aos seus discípulos a parábola da figueira e de afirmar que só o Pai sabe a hora em que o “Filho do Homem” virá (cf. Mt 24,36), Jesus se serve de algumas imagens e da figura de Noé para mostrar tanto o caráter repentino dessa vinda, quanto a necessidade de se estar vigilante.
Assim como no tempo de Noé (cf. Gn 6,9 – 9,29) todos seguiam o curso normal de sua vida – comiam, bebiam, casavam-se e davam-se em casamento – sem ouvir a Deus como fazia Noé e, por isso, foram mortos pelo dilúvio enquanto ele, homem vigilante e pronto a escutar a Deus, se salvou, juntamente com sua família, do mesmo modo aqueles que não se abrem a Deus e não buscam ouvir a sua Palavra serão surpreendidos pela vinda do Filho do Homem.
A imagem dos homens que trabalham no campo e das mulheres que moem no moinho, onde o Senhor afirma que um será levado e o outro será deixado, servem para mostrar que a vinda do Filho do Homem, sua “parusia”, será um dia de juízo. Por isso, torna-se ainda mais necessária a vigilância, a fim de não sermos surpreendidos por esse dia.
A parábola que encerra a perícope evangélica reforça a ideia da necessidade de se estar vigilante. Ela vem emoldurada por duas afirmações muito semelhantes: Ficai atentos! Porque não sabeis em que dia virá o vosso Senhor! (Mt 24,42) e Ficai preparados! Porque na hora em que menos pensais, o Filho do Homem virá! (Mt 24,44). Nestes versículos, dois títulos importantes são aplicados a Jesus: Senhor e Filho do Homem. No AT, o título Senhor vem aplicado a Deus, o que demonstra que, em Mateus, não se trata de um simples pronome de tratamento, mas de um título que designa a real natureza de Jesus: ele é o Filho de Deus, nosso Salvador. O título “Filho do Homem”, por sua vez, tomado de Dn 7,13, é utilizado em Mateus pelo próprio Jesus, que assim se autodesigna tanto quando fala de seu sofrimento (cf. Mt 17,12), como quando fala da sua glória e vinda futura (cf. Mt 19,28; 24,44). É provável que, ao se autodesignar como Filho do Homem, Jesus queira se apresentar como o Messias escatológico, ou seja, como aquele que sofrerá no tempo presente, mas que haverá de vir glorioso no fim dos tempos para estabelecer definitivamente o seu Reino no meio dos homens.
No centro desta moldura está a parábola que, com a imagem do ladrão que vem à noite, de forma repentina, explicita o chamado à vigilância do v. 42. Assim como o dono da casa, vigilante, pode surpreender o ladrão e não ser surpreendido por ele, do mesmo modo, o cristão vigilante não será surpreendido pela vinda repentina do Filho do Homem, mas a acolherá como um dia de alegria e de libertação (cf. 1Ts 5,4-5).
A segunda leitura, além de confirmar o chamado à vigilância com a expressão “já é hora de despertar” (cf. Rm 13,11), mostra de que modo se pode estar vigilante, à espera do Senhor: Despojemo-nos das ações das trevas e vistamos as armas da luz. O cristão deve andar na luz, deve revestir-se de Cristo, por isso suas ações não podem ser compatíveis com as trevas. Paulo enumera seis ações, em três grupos de duas, dando simetria ao texto: nada de “glutonerias e bebedeiras”; nada de “orgias e imoralidades”; nada de “brigas e rivalidades”. O apóstolo exorta a se viver uma vida onde não se é dominado pelas paixões: isso significa buscar a luz e abandonar as trevas; isso significa viver em vigilância, à espera do Senhor que vem. Aqui percebemos um eco da oração coleta desse domingo: concedei a vossos fiéis o ardente desejo de possuir o reino celeste, para que, acorrendo com nossas boas obras ao encontro do Cristo que vem, sejamos reunidos à sua direita na comunidade dos justos. Vigiar sobre si mesmo, procurar pôr em ordem o homem interior, conhecer e, de certo, dominar as próprias paixões, é a grande obra que o Senhor espera de nós e, talvez, a mais desafiadora e exigente.
Podemos afirmar que também o texto de Isaías, da primeira leitura, nos coloca diante dessa perspectiva escatológica já realizada em Cristo, mas ainda à espera de sua plena consumação. Cristo já nos mostrou seus caminhos e já nos ensinou a seguir seus preceitos (cf. Is 2,3), mas ainda aguardamos o dia em que Ele virá como juiz, dia no qual os homens transformarão definitivamente suas espadas em arados e sua lanças em foices a fim de viver na paz que o Senhor há de estabelecer também definitivamente sobre a Terra (cf. Is 2,4).
A expectativa escatológica na qual o Advento nos introduz diz respeito, em primeiro lugar, à segunda vinda do Senhor no fim dos tempos (Parusia). Contudo, ela nos recorda que também teremos um encontro pessoal com o Senhor no fim da nossa caminhada terrestre. Não é só a história universal que caminha para uma consumação. Também nossa história pessoal caminha para um fim que, para nós cristãos é, na verdade, o verdadeiro começo, pois cremos que “nossa vida está escondida com Cristo, em Deus” (cf. Cl 3,3). Assim como será repentina a segunda vinda do Filho do Homem, também será repentino nosso encontro pessoal com Ele. Por isso, mais ainda urge o chamado do Senhor para nós: Fiquemos atentos! Estejamos preparados! Porque na hora em que menos pensais, o Filho do Homem virá! (cf. Mt 24,44).