1ª Leitura: 1Rs 19,9a.11-13a
Sl 84
2ª Leitura: Rm 9,1-5
Evangelho: Mt 14,22-33
O evangelho deste domingo nos coloca diante de uma cena onde dois elementos se destacam: Jesus que caminha sobre as águas e Pedro que afunda e é salvo pelo Senhor.
Depois de despedir as multidões, Cristo se retira para o monte a fim de orar a sós. Quando chega a noite, os discípulos já estão atravessando o mar e sua barca é agitada por um vento contrário. É nesse contexto, onde os discípulos sentem que sua vida corre grande perigo, que Jesus vem ao seu encontro.
O contexto nos recorda a primeira leitura. O profeta Elias, depois de ter enfrentado os profetas de Baal, sentindo sua vida ameaçada pela perversa rainha Jezabel, caminha deserto a dentro na direção do Horeb, o monte de Deus. Alimentado unicamente pelo misterioso pão que o anjo lhe oferecera (1Rs 19,1-8), assim como os discípulos haviam sido alimentados pelo pão que o Cristo multiplicara no deserto, ele chega até o monte e se retira para uma gruta. Deus vem ao encontro do profeta para consolá-lo, não na força do vento e nem no calor do fogo, mas no murmúrio de uma brisa suave.
Do mesmo modo, Cristo vem ao encontro dos seus discípulos, na barca, no meio de uma crise. Diante desta epifania, os discípulos temem, pois pensam tratar-se de um fantasma. É nesse ponto que, à visão soma-se uma palavra do Senhor: “Coragem, sou eu! Não tenhais medo” (Mt 14,27). Dois elementos se destacam nessa fala de Jesus. O primeiro deles é expressão “sou eu”, presente também nos relatos paralelos de Mc 6,50 e Jo 6,20. A expressão “sou” (em grego, ego eimi) evoca a autorrevelação de Deus no AT: Ex 3,14. O segundo elemento é o verbo Tharséo, traduzido como “tende coragem/tende ânimo”. Esse verbo ocorre apenas 7x em todo o NT. Em Mateus, ele ocorre outras duas vezes em contextos onde o Senhor se encontra com pessoas que padecem grandes sofrimentos: em Mt 9,2, quando Jesus se dirige ao paralítico, anunciando-lhe o perdão dos pecados; em Mt 9,22, quando Jesus se dirige à mulher que tem um fluxo de sangue, anunciando-lhe que sua fé a havia salvado/curado.
É nesse momento que o texto nos coloca diante de um segundo elemento, próprio de Mateus: o pedido de Pedro para ir ao encontro do Senhor. O Senhor atende o pedido de Pedro e este consegue caminhar sobre as águas. A sua pouca fé, contudo, faz com que ele afunde. Não é porque afunda que Pedro duvida, mas o contrário: ele primeiro duvida, fica com medo, e só então começa a afundar. É nesse momento que o Senhor vem ao encontro da “fraqueza na fé” daquele que será, depois, constituído à frente dos doze. O grito de Pedro – “Senhor, salva-me” – é um eco do grito dos discípulos que, noutra passagem, também tinham medo que o vento os fizesse perecer (Mt 8,25). O Senhor segura sua mão e o introduz novamente na barca.
Por que duvidaste? Eis a pergunta de Cristo a Pedro. Enquanto tinha os olhos fixos no Senhor, Pedro fazia o prodígio de imitar seu mestre, caminhando ele próprio sobre as águas. Mas, quando presta mais atenção aos ventos contrários que à Palavra do Senhor, ele começa a duvidar e afunda. A cena nos mostra que é preciso ter fé em Cristo e seguir sempre adiante, mesmo quando o vento é contrário.
A cena tem seu ápice no v. 33, quando Cristo entra na barca e o vento se acalma. A presença de Deus faz-se sentir, de novo, na “brisa suave”, como ocorre na primeira leitura. Assim como a epifania de Jesus inclui um gesto – seu caminhar sobre as águas – e uma palavra – “Não tenhais medo, sou eu” – também o reconhecimento dos discípulos inclui em si dois elementos, um gesto e uma palavra: eles “se prostram”, um gesto que, na Escritura, significa a adoração devida a Deus; depois, eles afirmam aquilo o que mais tarde o centurião vai proclamar diante do Cristo crucificado (Mt 27,54): “Verdadeiramente, tu és o Filho de Deus!” Ao gesto se une uma palavra e assim o quadro do relato evangélico é completado por esta profissão de fé.
O evangelho põe diante dos nossos olhos uma bela imagem da Igreja, em sua caminhada neste mundo. Mateus aproveita esse episódio da vida de Jesus e dos seus discípulos a fim de transmitir à Igreja nascente um ensinamento: a Igreja, simbolizada na barca, navega no mar do mundo e é agitada por muitos ventos. Às vezes pensamos até que ela pode naufragar. Mas, quem está no leme da barca de Pedro é o próprio Cristo. É a presença do Senhor nesta barca que nos dá a certeza de que nela podemos velejar tranquilos, até o porto seguro que está nos céus. Aqui neste mundo, dentro da barca de Pedro, embora sacudidos por ventos contrários, estamos protegidos, porque “Aquele a quem os ventos e o mar obedecem” (cf. Mt 8,27; Mc 4,41; Lc 8,25) está conosco.
Por que não dizer que o evangelho é, também, uma parábola da nossa vida nesse mundo? A barca da nossa existência é quase sempre sacudida por ventos contrários. Se mantivermos os olhos fixos em Cristo, poderemos até mesmo caminhar sobre o mar agitado. Contudo, se nos deixarmos apavorar pelo ruído do vento, afundaremos. Todavia, nem assim estaremos totalmente perdidos, porque o Cristo, na sua misericórdia, sempre nos estenderá a mão, subirá na barca conosco e continuará conduzindo nossa vida até o porto seguro para o qual ela se dirige.
Tenhamos fé naquele que acalma o mar, que está conosco todos os dias, e que nos anuncia a paz (cf. Sl 84,9), fruto da sua presença que nos conforta e anima a seguir adiante. Quando o medo nos assombrar, repitamos com Pedro: “Senhor, salva-me!” Ele certamente nos estenderá sua mão. Quando nos sentirmos novamente seguros, no entanto, não nos esqueçamos de proclamar nossa fé naquele que veio em nosso socorro, dizendo com os apóstolos: “Verdadeiramente, tu és o Filho de Deus!”