1ª Leitura: 1Rs 19,16b.19-21
Sl 15
2ª Leitura: Gl 5,1.13-18
Evangelho: Lc 9,51-62
Seguir radicalmente o Cristo
A primeira leitura de hoje e o evangelho nos apresentam dois relatos de vocação. Na primeira leitura, temos o relato da vocação de Eliseu. O Espírito do Senhor manda que Elias, em vista da proximidade de sua partida desse mundo, unja Eliseu como profeta em seu lugar, pois a palavra do Senhor não pode deixar de ser proclamada. Elias realiza, então, um gesto simbólico. Passa e lança sobre Eliseu o seu manto (1Rs 19,19). Eliseu entendeu que se tratava de uma ação em vista de convocá-lo à vocação profética, por isso “abandonou” os bois e “correu atrás” de Elias. Eliseu, contudo, faz um pedido a Elias: ir primeiro despedir-se dos seus familiares. Elias permite e, então, depois disso, Eliseu começa a seguir Elias como seu servo até que assumirá, futuramente, a função de profeta em lugar de Elias. Contudo, ele primeiro deve literalmente “caminhar atrás” de Elias, observar o que seu Mestre faz, servi-lo. Só então ele poderá, depois de ter colhido as lições de seu mestre, torna-se profeta em seu lugar.
O evangelho, como é bastante comum nos Domingos do Tempo Comum, está em estreita conexão com essa primeira leitura. Jesus começa a sua grande viagem em direção a Jerusalém. O caminho de Jesus para Jerusalém é sempre posto em destaque pelos sinóticos. Contudo, em Lucas Jerusalém uma posição peculiar. É para lá que Jesus caminha em vista de consumar sua obra salvífica; será de lá, depois de Pentecostes, que os apóstolos sairão para anunciar a boa nova da salvação até os confins da Terra. O trecho que ouvimos hoje no Evangelho começa com o v. 51 que marca um ponto de virada no Evangelho de Lucas: Jesus tomou resolutamente o caminho para Jerusalém. É em Jerusalém que morrem os profetas (Lc 13,34), pois é também sobretudo lá que eles anunciam a Palavra de Deus, palavra esta muitas vezes de juízo contra as autoridades constituídas. Lucas faz questão, então, de dizer que Jesus não se furta nem à vocação e nem ao destino de um profeta. Ele vai anunciar a palavra, em Jerusalém, e ali vai dar a sua vida. Ele não titubeia, nem vacila, mas toma esse caminho “resolutamente”.
Depois do episódio que narra brevemente a rejeição dos samaritanos, Lucas nos apresenta um relato de vocação, que se assemelha ao da primeira leitura, mas que mostra a superioridade do chamado de Cristo. Primeiro é alguém que se oferece: Eu te seguirei para onde quer que fores. Para este que está empolga, Jesus diz qual é a realidade daquele que se propõe segui-lo: As raposas têm tocas e os pássaros têm ninhos; mas o Filho do Homem não tem onde repousar a cabeça. Depois Jesus toma a iniciativa, e convoca alguém dizendo ‘Segue-me’, semelhante ao que Elias fez com Eliseu na primeira leitura. E, assim como Eliseu, este que foi chamado, cujo nome não conhecemos, quis ir primeiro sepultar seu pai. A resposta de Jesus foi negativa e extremamente dura: Deixa que os mortos enterrem seus mortos; mas tu, vai anunciar o Reino de Deus. A mesma dureza na resposta se encontra diante do terceiro, que quer seguir, mas quer ir primeiro despedir-se de seus familiares: Quem põe a mão no arado e olha para trás, não está apto para o Reino de Deus. Com estas respostas tão contundentes de Jesus, Lucas quer mostrar que o chamado do Mestre é radical e exige uma decisão tão radical quanto à dele, que se pôs “resolutamente” a caminho de Jerusalém. Jesus é mais que um profeta e, por isso, daqueles que querem ser seus discípulos se exige mais do que o que se exigia dos que queriam ser discípulos dos profetas (cf. primeira leitura). O chamado de Cristo é radical e radical deve ser também a resposta dada a Ele. Só quem está disposto a aceitar a rejeição pacientemente e a assumir a cruz corajosamente é que pode segui-lo.
A segunda leitura é um trecho da carta aos Gálatas. Normalmente, durante o Tempo Comum, seguimos uma leitura contínua de alguma carta do NT na segunda leitura. Este trecho do c. 5 começa com a máxima paulina É para a liberdade que Cristo nos libertou. Agora, o que é a “liberdade”? O próprio apóstolo adverte aos Gálatas para não fazerem da liberdade uma desculpa para servir à carne. Paulo reconhece que carne e espírito têm desejos opostos. Agir segundo a carne é fechar-se à obra do Espírito. Agir segundo Deus significa, por sua vez, abrir-se à ação do seu Espírito e deixar-se conduzir por Ele. A questão mais candente neste trecho parece ser a vida fraterna, por isso o apóstolo apresenta o amor ao próximo como síntese de toda a Lei. Os que agem segundo a carne são os que procuram somente seu benefício. Assim a comunidade cristã se divide, se dilacera. Os que vivem segundo o Espírito, por sua vez, não se deixam guiar pelos apetites carnais, não buscam a própria satisfação, mas vivem a lógica da lei do amor.
Conclui-se, então, que a liturgia da Palavra deste domingo traz um duplo apelo. O primeiro vem da primeira leitura e do Evangelho: é necessário seguir radicalmente o Cristo. O Senhor não quer nada e nem ninguém pela metade. Precisamos estar dispostos a entregar a própria vida se queremos ser verdadeiros discípulos. Tal entrega só é possível se nos deixamos conduzir pela graça. Sem dúvida, é a graça do Senhor quem nos capacita a um seguimento de tal forma radical. O segundo apelo vem da segunda leitura: é necessário viver segundo o Espírito. A vida nova do Espírito se manifesta, de modo particular, na capacidade de amar como Cristo amou, abrindo-se à todas as consequências desse amor-doação. Que o Senhor nos ajude a segui-lo verdadeiramente e nos torne capazes, pela graça que vem do Alto, de nos abrirmos à lei do amor.