1ª Leitura: Sb 1,13-15; 2,23-24
Sl 29(30)
2ª Leitura: 2Cor 8,7.9.13-15
Evangelho: Mc 5,21-43
Não temas. Basta ter fé!
“Deus não fez a morte, nem tem prazer com a destruição dos vivos” (Sb 1,13). O Senhor, o Deus da vida, não criou o homem para a morte. O livro da Sabedoria, no trecho proclamado nesta liturgia dominical, afirma que foi “por inveja do diabo” que a morte entrou no mundo (Sb 2,24). Feito à imagem de Deus, o homem recebeu do seu Criador a imortalidade como destino último. Mesmo tendo de passar pelo mistério da morte, o homem não ficará na morte, pois Deus não deseja que a sua criatura volte ao nada. Cristo veio transfigurar o mistério da morte e abrir para o homem as portas da eternidade. A morte continua aparentemente reinando sobre a terra mas, em Cristo, ela tornou-se “irmã morte”, como dizia São Francisco, a doce passagem para a vida junto do Senhor.
No Evangelho Jesus se defronta com duas situações de morte. De um lado Jairo, o chefe da sinagoga, cuja filhinha está nas últimas; de outro, a mulher que sofria de uma hemorragia há doze anos. Ambos querem que o Senhor afaste deles o fantasma da morte. Jairo deseja que sua filha viva, cresça e continue sendo sua alegria. A mulher que sofre com o fluxo de sangue deseja, também ela, superar a doença e viver.
Tanto Jairo quanto a mulher enferma são grandes exemplos de fé. Jairo crê que se Jesus impuser as mãos sobre sua filha ela ficará curada. A mulher com o fluxo de sangue vai mais além e, por isso, tem sua fé elogiada pelo Senhor. Ela não quer que o Senhor diga nada, nem mesmo que a olhe de frente, porque ela pensava consigo mesma: “Se eu ao menos tocar na roupa dele, ficarei curada” (Mc 5,28).
Ambos recebem o milagre como recompensa para a sua fé. A mulher, imediatamente depois de ter tocado Jesus, sentiu dentro de si que estava curada. Jesus, por sua vez, sente uma força que sai dele e procura quem o havia tocado. Ao perceber-se curada, a mulher mesmo com medo e tremendo, apresenta-se diante do Senhor e conta-lhe toda a verdade. Jesus proclama que foi em virtude de sua fé que ela recebera o milagre: “Filha, a tua fé te curou” (Mc 5,34). Essa cena é tão forte, que ela tornou-se um símbolo dos sacramentos que são, no dizer do Catecismo, “forças que saem do Corpo de Cristo”, sempre “vivo e vificante”, e nos curam a todos (CIC 1116).[1]
A cena da cura da mulher com o fluxo de sangue interrompe a narrativa da ressurreição da filha de Jairo. Depois desta “interrupção” Jesus continua seu caminho para a casa de Jairo quando alguém se antecipa, afirmando que não se deve mais incomodar o Mestre, porque a menina havia morrido. O Senhor da Vida não se deixa parar pelo mistério da morte. Ele tem poder sobre a morte! Para tranquilizar Jairo, o Senhor lhe dirige algumas palavras: “Não tenhas medo. Basta ter fé!” (Mc 5,36). A fé deve nos fazer superar o medo e a angústia. Embora tenha uma função muitas vezes protetiva, o medo também pode nos fazer mal, gerando em nosso interior insegurança, ansiedade e falta de ânimo para seguir em frente.
O Senhor anima Jairo, pois é preciso seguir em frente, mesmo quando uma dor muito grande parece nos frear. “Não temas. Basta ter fé!”, disse o Senhor. “A fé é aqui a postura que permite ao homem esperar contra toda esperança, uma vez que ele se apega à palavra de Jesus”.[2] Chegando à casa e ouvindo a lamentação, Jesus repreende os presentes. Não era necessário erguer uma lamentação, pois a menina estava “apenas dormindo”. Todos começam a caçoar do Senhor, diante dessa sua estranha palavra. O “dormir” constituía, de fato, no ambiente semita e, também, no judaísmo, um eufemismo para se referir à morte. Contudo, mesmo morta, para Ele, o Senhor da vida, a menina apenas dormia. Santo Agostinho, num de seus sermões, assim se expressa a respeito desta palavra de Jesus: “Chegou à casa e encontrou os devidos preparativos de um funeral e lhes disse: ‘Não choreis, a menina não está morte, apenas dorme’. E disse a verdade! Para ele, que podia ressuscitá-la, estava apenas dormindo. Ele a ressuscitou e entregou-a viva a seus pais”.[3]
Pelo poder da sua palavra o Senhor ressuscita a menina e a entrega viva a seus pais. Manda que lhe deem de comer, a fim de que fique claro que ela está, de fato, viva. Assim, o Cristo se manifesta como sendo realmente o Filho de Deus, que veio para libertar o homem da morte, pois somente Deus tem o poder de dar a vida. Jesus não quer, no entanto, que a notícia se espalhe. Poucos estavam presentes à cena: Pedro, Tiago, João e os pais da menina. Jesus não queria que se compreendesse mal o seu messianismo. É claro que aqui se manifestava o seu poder divino mas, no projeto teológico de Marcos, é somente a partir da cruz, onde o Cristo se manifestará como servo sofredor, que o sua verdadeira identidade, a de Filho de Deus, deverá ser revelada.
Peçamos ao Senhor nesta Eucaristia o dom da fé, uma fé que espera contra toda esperança (Rm 4,18). Que alimentados pelos sacramentos, “forças que saem do Corpo de Cristo que é a Igreja”, sejamos curados de nossa incredulidade, a fim de recebermos, um dia, aquilo que é objeto da promessa: a vida eterna que o Senhor nos prometeu.
[1] CIC – abreviação para Catecismo da Igreja Católica, algumas vezes também abreviado como CCE, a partir de sua designação em língua latina.
[2] GNILKA, J. El Evangelio según Marcos, p. 252.
[3] AGOSTINHO. Sermão 98. In: ODEN, T. C. (org.). La Biblia Comentada por los Padres de la Iglesia. p. 133.