Ex 19,2-6a
Sl 99
Rm 5,6-11
Mt 9,36 – 10,8
“Vendo as multidões, compadeceu-se delas”
A Eucaristia desse domingo, na oração coleta, traz uma súplica do sacerdote em favor de todo o povo: “dai-nos sempre o socorro da vossa graça”; súplica essa com uma finalidade específica: “para que possamos querer e agir conforme a vossa vontade”. Reconhecemos nossa fraqueza e, por isso, suplicamos a força divina, para que o nosso querer se afine com o querer de Deus, que é sempre o nosso bem e a forma mais perfeita de realização para nós.
Queremos ser boas ovelhas, para Aquele que é nosso supremo pastor. Já na primeira leitura deste domingo, percebemos como Deus escolhe o povo de Israel, para fazer dele um “reino de sacerdotes e uma nação santa”. O povo deve “ouvir a voz de Deus”, “guardar sua aliança”, como sinal de que são agora um povo escolhido, separado, santo. Deus quer ser o verdadeiro e único pastor desse povo. O Salmo 99, salmo responsorial dessa liturgia da palavra, canta o pastoreio do Senhor sobre o seu povo: “Nós somos o povo e o rebanho do Senhor”.
Deus exerce, todavia, seu pastoreio, através de instrumentos humanos. Foi assim que na história da salvação Deus se manifestou como pastor do seu povo enviando-lhe juízes, chefes, reis, sacerdotes, profetas, que pudessem conduzi-lo e pastoreá-lo segundo a vontade do único e supremo pastor. Muitas vezes, contudo, não somente o povo falhou, se comportando como um rebanho rebelde e desobediente, mas também os pastores falharam, não sendo sinal para as ovelhas do verdadeiro, único e bom pastor.
Foi assim que o Pai, na plenitude dos tempos, enviou o seu Filho, o “bom pastor” (cf. Jo 10), para conduzir as ovelhas que estavam “cansadas e abatidas”. É assim que começa o evangelho de hoje. Jesus “vê” as multidões e se “compadece” delas, como estavam como ovelhas sem pastor. O verbo “compadecer-se” utilizado aqui por Mateus é o verbo grego splanknidzomai. O termo splankna, no grego, significa as “entranhas, as vísceras”, de uma pessoa ou animal. O verbo splanknidzomai significa, então, uma compaixão visceral, ou seja, algo que vem do profundo do ser humano. Jesus sente no mais profundo de si mesmo uma dor infinita por aquelas multidões, que estão “cansadas e abatidas” como “ovelhas que não têm pastor”.
Assim como a ovelha não sabe por onde se conduzir, se perde e morre sem o auxílio do pastor, assim também aquelas multidões estavam sem direção, perdendo-se e morrendo, pela falta de pastores que as pudessem conduzir. Mas essas ovelhas não estão mais perdidas, porque agora chegou para elas o supremo pastor, o Cristo, que enviará seus discípulos para, em nome d’Ele, pastorear essas multidões.
Como vão ver aqui um eco de Ezequiel 34? Em Ez 34 encontramos a queixa divina contra os maus pastores, aqueles que não cuidaram do rebanho, mas só se preocuparam em tirar vantagem dele. Deus promete, então, que Ele mesmo vai pastorear o seu povo, reunindo as ovelhas dispersas (cf. Ez 34,11-12). Deus promete, ainda, suscitar um pastor da estirpe de Davi, a fim de que este apascente o povo em seu nome (cf. Ez 34,23). Em Cristo encontramos a plena realização desta promessa do Senhor. Em Cristo, Deus se apresentou como o pastor do seu povo e Ele mesmo é o Messias vindo de Davi, o pastor prometido, que reúne as ovelhas dispersas, fortalece as ovelhas abatidas e dá conforto às ovelhas cansadas.
Nos vv. 37-38 o Senhor nos exorta a pedirmos constantemente ao dono da messe, ao Pai que está nos céus, para que Ele suscite pastores, “trabalhadores para a sua colheita”. A Igreja deve continuamente suplicar a Deus para que não faltem pastores e para que estes possam exercer, apesar de suas fragilidades e limitações, o pastoreio do rebanho em nome do Senhor.
Na segunda parte deste evangelho, ou seja, Mt 10,1-8, temos dois momentos. Primeiro, nos vv. 1-4, temos o envio dos apóstolos. No v. 1 eles são chamados de “discípulos”, mas recebem de Jesus “poder/autoridade (exousia)” a fim de poderem “lançar para longe” os espíritos impuros e curar todo tipo de doença e enfermidade. Logo em seguida, cheios da autoridade recebida do próprio Cristo, eles são chamados de “apóstolos” e são nomeados um a um. São estes agora os que devem pastorear com Cristo e em nome de Cristo, a fim de que as ovelhas não fiquem mais dispersas.
Estreitamente unida a esta primeira parte do cap. 10, está a continuidade da perícope, ou seja, Mt 10,5-8. Os apóstolos são enviados em primeiro lugar “às ovelhas perdidas da casa de Israel”. Não se trata de um fechamento aos pagãos, mas sim de ir em primeiro lugar àqueles aos quais Deus Pai se dirigiu em primeiro lugar, fazendo com os patriarcas uma aliança eterna. Depois esse anúncio será aberto também aos pagãos, mas o desejo de Jesus é que em primeiro lugar as ovelhas perdidas da casa de Israel possam ouvir e se abrir à sua palavra.
O evangelho termina com uma sentença muito significativa de Jesus: “De graça recebestes, de graça deveis dar!” É a gratuidade que deve marcar a relação dos apóstolos com as ovelhas às quais eles são enviados, porque foi essa mesma gratuidade amorosa que sempre marcou a relação de Jesus com todos aqueles os quais Ele encontrou em seu caminho.
Podemos terminar nossa reflexão deste domingo lançando um olhar para a segunda leitura. Neste trecho da carta aos Romanos, Paulo nos apresenta a absoluta prova de amor do Pai por nós: “Cristo morreu por nós, quando ainda éramos pecadores” (cf. Rm 5,8). Que a contemplação da Páscoa de Cristo, seu sacrifício de amor por nós e sua ressurreição maravilhosa, possa sempre nos introduzir no mistério do amor infinito do Pai, amor que nos cura, no sentido mais profundo do termo, de todas as nossas “doenças e enfermidades” (cf. Mt 10,1).