1ª Leitura: Ap 7,2-4.9-14
Sl 23
2ª Leitura: 1Jo 3,1-3
Evangelho: Mt 5,1-12a
Hoje a Igreja nos convida a celebrar a Solenidade de Todos os Santos. Deus se apresenta na Escritura do Antigo Testamento como aquele que é Santo. O termo hebraico para designar “santo” tem o significado básico de “separado”. Deus é “Santo” porque é o totalmente outro, separado do mundo. Deus não é a soma do que há no mundo, mas tudo o que existe está submetido a Ele, porque Ele existe antes de tudo e é o criador de todas as coisas. Deus, que é Santo, cria o mundo e o homem e deseja comunicar ao homem a sua santidade. Deus, que é totalmente separado de nós, quer se unir a nós. Depois de várias tentativas de restabelecer com a humanidade a aliança que foi terrivelmente rompida com o pecado original, Deus escolhe um povo e o separa, o consagra para si. Através da sua fé e da sua vida moral Israel se demonstra como o “povo santo de Deus”, um povo separado, diferente dos outros povos, que deveria ser para os outros povos um sinal, um sacramento da santidade do próprio Deus.
Todavia, Israel corria um grande risco. O risco de achar que a santidade consiste na mera prática exterior de ritos e normas religiosas. Israel corria o risco de achar que ele mesmo era a fonte da sua santidade. Assim sendo, Israel não seria mais um sacramento da santidade de Deus, seria apenas um povo soberbo por se considerar mais “perfeito” que os outros povos.
Cristo vem nos apresentar uma grande boa-nova. Esta boa-nova é a certeza de que é Ele quem nos santifica. Paulo exprime essa certeza da santificação que nos é oferecida em Cristo na sua primeira carta aos Coríntios, quando diz: “Ora, é por ele que vós sois em Cristo Jesus, que se tornou para nós sabedoria proveniente de Deus, justiça, santificação e redenção…” (cf. 1Cor 1,30) e ainda na sua carta aos Colossenses: “Vós éreis outrora estrangeiros e inimigos, pelo pensamento e pelas obras más, mas agora, pela morte, ele vos reconciliou no seu corpo de carne, entregando-o à morte para diante dele vos apresentar santos, imaculados e irrepreensíveis…” (Cl 1,21-22)
Se no Antigo Testamento o homem procurava se aproximar da santidade de Deus através de práticas exteriores, agora é Deus quem toma a iniciativa. Ao homem era impossível alcançar a verdadeira santidade. Cristo no-la concedeu assumindo a nossa natureza e nos aproximando definitivamente de Deus. N’Ele, em Cristo, nós nos tornamos santos. Nós já somos santos em Cristo. A santidade é uma realidade na nossa vida. A santidade não é simplesmente algo a alcançar, porque Ele já nos tornou santos. Vemos isso claramente nas cartas do NT, sobretudo nas de Paulo, quando ele se refere aos cristãos das comunidades, ainda vivos e, é claro, pecadores, como “santos”. Nós somos o Corpo de Cristo e Ele é a nossa cabeça. Se a Cabeça é Santa, todo o Corpo se torna Santo por causa d’Aquele que é a sua Cabeça.
Se já fomos por Cristo santificados então o que nos resta fazer? Será que não precisamos fazer mais nada? Devemos ser apenas receptores passivos da santificação que nos foi oferecida? A santidade que nos foi dada em Cristo precisa ser manifestada, para que se torne sacramento da santidade que é, em primeiro lugar, santidade do próprio Cristo. A nossa vida de santidade deve ser uma epifania, uma manifestação da santidade de Cristo em nós. Vemos que o nosso ângulo de visão se modifica.
Muitas vezes pensamos na santidade como um esforço meramente humano. Na nossa busca ansiosa e doentia por uma “perfeição” que até muitas vezes se distancia do verdadeiro ideal da santidade, nós nos centramos em nós mesmos e na nossa capacidade meramente humana. Tal atitude nos leva ou à frustração, quando nos percebemos incapazes de atingir os elevados ideais que pretendemos, ou à dureza de coração, fazendo com que fiquemos ríspidos e soberbos, nos achando melhores que os outros, os quais consideramos como “pobres pecadores”, tão “imperfeitos” e tão “diferentes de nós”, atitude semelhante à do fariseu do Evangelho que ouvimos alguns domingos atrás. Hoje o Senhor nos convida a mudarmos o nosso foco. Devemos sair do centro e perceber que é a santidade de Cristo que está no centro e na raiz de tudo. Ele é o Santo que nos santifica. A nossa vida é tanto mais santa, quanto mais nos abrimos para nos tornarmos uma verdadeira epifania da santidade do Cristo.
E a fim de que possamos descobrir em nós e manifestar ao mundo a santidade de Cristo que nós recebemos, o Evangelho que hoje ouvimos é como que um conteúdo programático de vida cristã. A liturgia, nos ensina a Sacrosanctum Concilium n. 7, realiza a “santificação do homem”, por isso nela nós ouvimos a Palavra de Deus que nos santifica e nos purifica, a fim de que possamos ser cada vez mais um sinal claro e manifesto da santidade do Cristo. Cristo está, qual novo Moisés, na Montanha, e ensina aos homens a Lei Nova. Estamos diante das bem-aventuranças. As bem-aventuranças são disposições do coração para que o homem possa viver a Lei dada por Deus a Moisés no Sinai. Vamos ver um pouco mais adiante o encontro de Jesus com o jovem que quer ser “perfeito”. Jesus lhe aponta o caminho dos mandamentos e o manda depois vender tudo o que tem. Mas, antes de viver os mandamentos, antes de pôr em prática a lei, norma de vida, é precisa criar no coração as disposições necessárias para que a prática da Lei possa produzir os efeitos desejados por Deus. Essas disposições de fundo são-nos apresentadas por Jesus como a pobreza de Espírito, a mansidão, o ter fome e sede de justiça, a misericórdia, a pureza de coração e a promoção da paz. Todas essas classes de pessoas são bem-aventuradas e a cada uma delas é concedida uma promessa de salvação. Todas são convidadas a entrar na alegria de Deus e a encherem o seu coração de esperança, aguardando a recompensa que será dada nos céus.
Poderíamos nos deter sobre cada uma das bem-aventuranças. Hoje, porém, poderíamos nos deter sobre o tema da “pureza de coração”. Para os puros de coração é prometida a visão de Deus. Vejamos que o Senhor nos convida não somente a uma pureza corporal. A pureza corporal é uma consequência da pureza de coração. Se alguém possui o coração puro, também o seu corpo se tornará puro, porque manifestamos exteriormente aquilo o que temos em nosso coração. Não é isso que o Senhor nos ensina quando diz que “a boca fala daquilo o que o coração está cheio”?
Se queremos ver a Deus devemos buscar a pureza de coração. Devemos ter um coração simples, livre da duplicidade. Devemos buscar com o nosso coração uma só coisa e não muitas coisas. Devemos buscar com o nosso coração somente o bem por excelência que é Deus, porque n’Ele encontraremos todos os outros bens dos quais necessitamos. Buscamos a pureza de coração porque queremos “ver a Deus”. Quem é puro de coração de uma certa forma já contempla Deus aqui, porque começa a ter sobre o mundo e os homens um pouco do olhar de Deus. Todavia, é sobretudo a visão beatífica que aguardamos. Aquele dia no qual nos apresentaremos diante do Senhor, diante do seu trono, trazendo as nossas vestes alvejadas no Sangue do Cordeiro, aquele dia no qual nós agitaremos as nossas palmas, como sinal da nossa vitória.
Essa é a visão de João na primeira leitura. O vidente de Patmos está numa liturgia, no Dia do Senhor, e contempla coisas maravilhosas. Hoje a visão de João se realiza para nós, embora ainda em figura. Também somos essa multidão de santos, que trajamos espiritualmente a veste branca do nosso batismo e nos apresentamos diante do trono do Cordeiro, agitando os ramos espirituais que trazemos, nós que também chegamos aqui vindos da grande tribulação na qual vivemos durante a nossa semana. Mas, o que nos anima é a certeza, a nós que hoje celebramos numa só festa todos os santos, a certeza de que nós estaremos também unidos a estes a quem hoje celebramos, trajando nossas vestes brancas, alvejadas no sangue do Cordeiro e estaremos diante do trono do Senhor da glória e Ele será, então, “tudo em todos”.
Enquanto aguardamos esse dia, nos consolemos com a Palavra do Apóstolo João que nos anima na segunda leitura que hoje ouvimos com o texto da sua primeira carta. João nos apresenta qual deve ser o motivo da nossa alegria: “Sermos chamados Filhos de Deus!” João nos comunica isso como certeza: “Nós o somos!” João nos transmite o motivo da nossa esperança: “Nem sequer se manifestou o que seremos (…) quando Jesus se manifestar seremos semelhantes a Ele porque o veremos tal como Ele é.” A visão plena do Cristo, realizará em nós a epifania plena da santidade que Ele nos concedeu. Enquanto caminhamos nesta vida, na alegria de sermos filhos de Deus e no desejo de ser para o mundo sacramento dessa santidade recebida do Cristo como Dom, voltemos o nosso olhar para Ele e o contemplemos, porque é contemplando-o que nós vamos deixando aflorar em nós a verdadeira santidade que Ele nos ofertou como dom.
Uma geração que contempla o Senhor: “É assim a geração dos que procuram o Senhor!” Sejamos essa geração meus irmãos, a geração dos que buscam o Senhor! Contemplemos o Cristo e a contemplação fará resplandecer em nós a face d’Aquele que nos santificou pela sua morte e ressurreição.