1ª Leitura: Dn 7,13-14
Sl 92
2ª Leitura: Ap 1,5-8
Evangelho: Jo 18,33b-37
“Deus é Rei e se vestiu de majestade” (Sl 92,1)
A festa de Cristo Rei foi instituída pelo Papa Pio XI em 1925. Quando da sua instituição esta festa era celebrada no último domingo de outubro, depois da reforma litúrgica passou para o último domingo do tempo comum, mostrando assim que tudo deve convergir para Cristo, alfa e ômega, isto é, princípio de fim de todas as coisas. Este sentido da festa pode ser captado pela oração coleta: “Deus eterno e todo-poderoso, que dispusestes restaurar todas as coisas no vosso amado Filho, Rei do Universo, fazei que todas as criaturas, libertas da escravidão e servindo à vossa majestade, vos glorifiquem eternamente”.
Este texto eucológico[1] apresenta, em primeiro lugar, o sentido da festa: o desejo eterno do Pai de restaurar todas as coisas em Cristo. Este sentido da festa expresso na eucologia nos remete para o texto de Ef 1,10, onde Paulo fala que o desejo do Pai é o “recapitular” todas as coisas em Cristo. Esta eucologia inicial apresenta, ainda, um pedido: que todas as criaturas, libertas da escravidão, possam glorificar eternamente a Deus. Esse pedido também nos remete para o texto de Ef 1,12, onde Paulo afirma que a finalidade da nossa existência é servirmos ao “louvor” e à “glória” de Deus.
A primeira leitura nos apresenta o texto de Dn 7,13-14 já evocado no evangelho de domingo passado (cf. Mc 13,24-32). Dentro da sua visão Daniel vê duas figuras: um “ancião de muitos dias” e um como que um “filho de homem”. A esse que era como “um filho de homem” foram dados o poder, a glória e a realeza e o seu reino será firme e não se dissolverá. No evangelho de domingo passado vimos que o Cristo aplica a si mesmo essa imagem. Ele, o Cristo, é o Filho do Homem, aquele cujo reino já está presente no meio de nós, mas que deve se realizar em plenitude quando da sua vinda definitiva na consumação dos tempos.
O Salmo 92, que ouvimos como salmo de resposta desta liturgia, é um salmo real, onde a realeza de Deus é apresentada já desde o primeiro versículo com a afirmação: “Adonai é Rei!”. Depois de descrever o poder e a realeza de Deus, o salmista utiliza imagens da natureza nos vv. 3 e 4 do salmo para mostrar que toda a criação reconhece a grandeza e a majestade de Deus. Ora, se a criação reconhece a grandeza e a majestade de Deus, seria uma insensatez que o homem, dotado de razão, não a reconhecesse.
A perícope evangélica, por sua vez, nos coloca em contato com a realeza de Jesus, tão diferente daquela dos reis deste mundo. Diante da pergunta de Pilatos Jesus afirma a sua realeza, “eu sou rei”, mas também afirma que o “seu reino não é deste mundo”. De fato, Cristo é Rei, mas seja a sua forma de reinar, seja o seu reino em si, ultrapassam a lógica deste mundo. O seu modo de reinar é paradoxal, porque sendo Deus, aceitou descer à nossa condição humana e, sendo rei, se fez servo, entregando-se à morte de cruz para nossa salvação (cf. Fl 2,5-11). O seu reino, já presente em semente neste mundo é, no entanto, de uma outra natureza, é uma realidade que nos ultrapassa, é um reino que se nos apresentará plenamente na glória.
Nós, que somos cristãos, devemos reconhecer a realeza de Cristo. Esse reconhecimento se expressa de maneira concreta quando colocamos em prática o último versículo da perícope evangélica de hoje: “Todo aquele que é da verdade escuta a minha voz” (Jo 18,37). Jesus é “a verdade” e nós somos d’Ele, somos “da Verdade”, por isso devemos reconhecer a sua realeza de maneira concreta ouvindo a sua voz, ou seja, conhecendo e colocando em prática a sua Palavra. É isso o que fica patente na Encíclica Quas Primas, de Pio XI, logo no início: “se afirma que Ele reina nas mentes dos homens não somente pela altura do seu pensamento e pela vastidão da sua ciência, mas porque Ele é a Verdade e é necessário que os homens atinjam e recebam, com obediência, da parte d’Ele, a Verdade”.
A segunda leitura é uma proclamação de duas realidades. A primeira, acontecida em nós no nosso batismo: Ele, o Cristo, nosso rei, fez de nós um “reino, sacerdotes para seu Deus e Pai”. Todos formamos um reino sacerdotal e, por isso, podemos na liturgia da Igreja prestarmos nosso culto de louvor e adoração ao Pai, por meio de Cristo, nosso Rei e Sumo Sacerdote, na forma do Espírito Santo (cf. Puebla 917). A segunda realidade apresentada a nós na segunda leitura é o anúncio do estabelecimento definitivo do reinado de Cristo no meio dos homens: “Olhai! Ele vem com as nuvens, e todos os olhos o verão, também aqueles que o traspassaram” (Ap 1,7). Cristo virá e estabelecerá definitivamente o seu Reino no meio dos homens. Nós devemos aguardar a instauração desse reino numa atitude de contínua vigilância. Não sabemos a hora em que Cristo virá, nem tampouco sabemos a hora em que nós seremos chamados para ir ao encontro do Cristo. Por isso, devemos viver cada dia da nossa existência numa constante atitude de vigilância, aguardando nosso Senhor voltar.
[1] Textos eucológicos são textos litúrgicos não-bíblicos, como as orações eucarísticas, os prefácios e os formulários da Missa com as orações coleta, sobre as oblatas e pós-comunhão, por exemplo.