Ecl 1,2; 2,21-23
Sl 89,3-6.12-14.17
Cl 3,1-5.9-11
Lc 12,13-21
“…dai ao nosso coração sabedoria!” (Sl 89[90],12)
Em cada domingo fazemos a grata experiência de nos reunir para celebrar nossa “Páscoa Semanal”. Nesse “Dia do Senhor”, que é também “Dia da Igreja”, recordando o ensinamento de São João Paulo II na Dies Domini (1998), nos congregamos em torno da dupla mesa que o Senhor prepara para nós: a mesa da Palavra e a mesa do seu Corpo e Sangue.
No Evangelho de hoje, o Senhor aproveita uma questão que lhe é proposta para ensinar o modo correto de se relacionar com os bens desse mundo e para indicar onde devemos colocar a nossa confiança.
Em Lc 12,13 alguém pede que Jesus intervenha numa questão familiar: a partilha de uma herança entre dois irmãos. Embora o Senhor se negue a ser juiz em uma questão como essa, ele aproveita a situação para prevenir seus ouvintes sobre o perigo da “cupidez” ou, como traduz o lecionário, o perigo da “ganância” (Lc 12,15). O termo grego é “pleonexia”. É um termo raro nos evangelhos, ocorrendo somente em Lc 12,23 e em Mc 7,22. Em Mc 7,22 a “pleonexia”, algumas vezes traduzida como “ambição desmedida”, aparece enumerada entre os doze vícios (dialogismoi), ou “intenções malignas” que habitam no coração do homem. Em Cl 3,5 (segunda leitura), a “pleonexia” é igualada à idolatria.
Na continuação de Lc 12,15, o Senhor explica porque se deve ter cuidado com a “ganância”: mesmo na abundância, a vida do homem não é assegurada por seus bens. Ele ilustra isso com a parábola, que serve como um comentário à advertência de Lc 12,15.[1] Um homem teve uma grande colheita e construiu celeiros maiores para estocar seus bens. Ele se sentia, enfim, seguro, porque agora tinha uma reserva para muitos anos. O Senhor o chama de “insensato/tolo”, porque ele morrerá naquela noite e outro usufruirá de seus bens. Ele desperdiçou a sua vida acumulando para outros. A primeira leitura, do livro do Eclesiastes, reflete sobre este tema. O Eclesiastes afirma que é uma “vaidade”, ou seja, “algo vão, vazio”, desgastar-se preocupando em acumular cada vez mais se, com a morte, outro acabará por usufruir daquilo que foi deixado.
O Evangelho termina com a afirmação de Jesus: Assim acontece com aquele que acumula tesouros para si mesmo, e não é rico para Deus. Aqui entendemos o sentido de Cl 3,5: quem coloca sua confiança na riqueza é um idólatra. Acaba por colocar os bens acima de Deus e confia mais neles do que no Senhor de toda a criação.
Diante dos textos deste domingo poderíamos erroneamente pensar que o Senhor nos convida a uma atitude que chamaríamos de um certo “relaxamento” diante da vida, ou seja, a vivermos sem nos preocuparmos com as questões temporais. Contudo, não se trata disso. É claro que é importantíssimo que trabalhemos e que edifiquemos algo, se assim nos for possível, para as gerações futuras. Contudo, é preciso ter a justa medida das coisas, a fim de que a preocupação com o acúmulo desordenado dos bens não nos afaste de Deus e nem nos faça, o que seria muito destrutivo para nós, colocar nos bens a confiança que devemos depositar somente em Deus. Afinal, é nas mãos de Deus que está a nossa vida e quando Ele nos chamar, de nada nos valerá o que tivermos acumulado.
Com o salmista, elevemos a Deus nossa oração: “Ensinai-nos a contar os nossos dias,
e dai ao nosso coração sabedoria!” (Sl 89[90],12). Que o Senhor nos dê um coração sábio. À luz da sua Palavra, possamos construir uma verdadeira hierarquia de valores na nossa vida. Que Deus seja sempre o centro, a meta de nossa existência e que somente n’Ele depositemos nossa confiança.
[1] Cf. SPICQ, Celas. Πλεονεξια. In: Theological Lexicon of the New Testament. v. 3. p. 118.